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Publicado em
1/12/21

Como manejar o paciente com doença de Chagas?

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Como manejar o paciente com doença de Chagas?

A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma antropozoonose muito prevalente e com importante morbimortalidade no Brasil. O agente etiológico infectante é o protozoário Trypanosoma cruzi, que tem como vetor insetos da subfamília Triatominae ou, como melhor são conhecidos, o “barbeiro” ou “chupão”.

A transmissão do protozoário pode ocorrer quando o inseto previamente infectado pelo T. cruzi se alimenta do sangue humano. Sendo essa a transmissão vetorial. Entretanto, há também a transmissão por via vertical - principalmente placentária - e a aquela por via oral.

Essa última é associada com os surtos de doença de Chagas aguda, e normalmente decorre da má higienização de alimentos. E ainda, há também a transmissão transfusional e por transplante de órgãos.

Ciclo de vida do T. cruzi. Fonte: https://www.passeidireto.com/arquivo/75976642/ciclo-de-vida-doenca-de-chagas
Ciclo de vida do T. cruzi. Fonte: Passei Direto

Quais são as fases da doença de Chagas?

Fase aguda

Nessa fase, há predomínio do parasita em número elevado na corrente sanguínea do hospedeiro. Para mais, o paciente pode apresentar sintomas específicos e inespecíficos da doença.

Sintomas inespecíficos

  • Febre constante e inicialmente elevada (em torno de 38,5 ºC a 39 ºC), e com possíveis picos vespertinos ocasionais. Podendo persistir por até 12 semanas;
  • Prostração;
  • Diarreia;
  • Vômitos;
  • Inapetência;
  • Cefaléia;
  • Mialgias;
  • Adenomegalia; e
  • Exantema com ou sem prurido

Sintomas específicos

  • Miocardite difusa;
  • Pericardite;
  • Derrame pericárdico;
  • Tamponamento cardíaco;
  • Insuficiência cardíaca;
  • Derrame pleural;
  • Edema de face, de membros inferiores ou generalizado. Em conjunto com tosse, dispneia, dor torácica, palpitações e arritmias;
  • Hepatomegalias e/ou esplenomegalias;
  • Sinal de Romaña: edema bipalpebral unilateral por reação inflamatória à penetração do parasita na conjuntiva e adjacências. Ocorre devido a reação inflamatória pela penetração do parasita; e
  • Chagoma de inoculação: lesões furunculóides, não supurativas, com localização variada em membros, tronco e face. Assim como o sinal de Romaña, ocorre devido a reação inflamatória pela penetração do T. cruzi.

Observe as imagens abaixo relativas aos dois últimos sintomas específicos.

Pacientes com graus variados do sinal de Romaña: edema bipalpebral unilateral por reação inflamatória à penetração do parasita na conjuntiva e adjacências. Ocorre devido a reação inflamatória pela penetração do parasita. Fonte: (https://www.researchgate.net/figure/Figura-7-Exemplos-de-sinal-de-Romana-com-graus-variaveis-de-edema-palpebral_fig2_269985225)
Pacientes com graus variados do sinal de Romaña:. Fonte: ResearchGate
Chagoma de inoculação. Fonte: https://www.scielo.br/j/rimtsp/a/TvCRvTcqzFHy6S6c5sTwDGk/?lang=en
Chagoma de inoculação. Fonte: Scielo

Na fase aguda todos os sintomas, mesmo quando não tratados, podem regredir espontaneamente, evoluindo para a fase crônica. Entretanto, em casos mais graves, o paciente pode evoluir para óbito.

Fase crônica

Nessa fase, a parasitemia (quantidade de protozoários na corrente sanguínea periférica) é baixa e intermitente. Além disso, o paciente pode apresentar 4 formas da doença: indeterminada, cardíaca, digestiva e forma associada ou mista.

Forma indeterminada

Nesta fase, o paciente encontra-se assintomático e sem sinais de comprometimento do aparelho circulatório. A confirmação para a anormalidade desse sistema se dá por achados normais no exame físico, eletrocardiograma e pelo raio-X de tórax normal.

Ainda na forma indeterminada o aparelho digestivo também deve apresentar-se sem alterações. Ou seja, com achados normais no exame físico, radiológico de esôfago e cólon.

O paciente pode permanecer nessa fase por toda a vida. Entretanto, ao longo do tempo, também pode evoluir para as formas cardíacas, digestivas ou associadas.

Forma cardíaca

Esta forma representa cerca de 30% dos casos crônicos da doença de Chagas. Por isso, ela é mais frequentemente encontrada nos pacientes que se encontram na fase crônica.

Além do mais, a forma cardíaca é responsável pelo maior número dos óbitos. Isso devido a possível evolução para miocardiopatia dilatada e insuficiência cardíaca congestiva.

Raio-X de paciente com doença de Chagas evidenciando miocardiopatia dilatada e derrame pleural à direita. Fonte: https://www.scielo.br/j/rsbmt/a/5gYW3L5M83grL9HmTGSNnsN/?lang=pt
Raio-X de paciente com doença de Chagas evidenciando miocardiopatia dilatada e derrame pleural à direita. Fonte: Scielo

Forma digestiva

O indivíduo encontra-se nesta fase quando houver evidência de comprometimento do aparelho digestivo. Frequentemente, o megacólon e/ou megaesófago chagásico. Para mais, representa 10% dos casos crônicos

Forma associada ou mista (cardiodigestiva)

Nessa forma, há ocorrência concomitante de lesões no aparelho circulatório e digestivo.

Como diagnosticar o paciente com a doença de chagas?

Existem métodos adequados para diagnóstico do paciente a depender de qual fase ele se encontre. Assim, o método diagnóstico mais indicado para a fase aguda é o parasitológico e para a fase crônica ele é essencialmente sorológico.

Métodos diagnósticos para a fase aguda

O exame parasitológico é um método capaz de detectar o parasita circulando no sangue periférico. Os mais indicados são a pesquisa a fresco, métodos de concentração e a lâmina corada de gota espessa ou de esfregaço

Esfregaço sanguíneo com presença da forma tripomastigota do T. cruzi. Fonte: Fiocruz
Esfregaço sanguíneo com presença da forma tripomastigota do T. cruzi. Fonte: Fiocruz

Esse último sendo realizado mais frequentemente na Amazônia Legal. Isso por permitir a pesquisa concomitante do protozoário da doença de Chagas e da malária.

Caso os exames parasitológicos sejam negativos, deve-se realizar nova coleta até confirmação do caso, ou até o desaparecimento dos sintomas da fase aguda. Além disso, a sorologia deve ser feita sempre que o exame parasitológico for negativo, mas a suspeita clínica persistir.

Assim, para confirmação da IgG, deve-se realizar duas coletas com intervalo mínimo de 15 dias entre elas.

a IgM pode estar presente em casos falsos negativos com uma grande variedade de doenças. Por isso, para considerar esse resultado, o paciente deve ter história clínica e epidemiológica sugestiva para a doença de Chagas.

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Métodos diagnósticos para a fase crônica

Nesta fase a parasitemia é pouco detectável. Por isso, os métodos parasitológicos possuem baixa sensibilidade. Assim, o diagnóstico é essencialmente sorológico

A confirmação do diagnóstico nessa fase se dá quando há positividade em dois testes sorológicos de princípios distintos e com diferentes preparações antigênicas. Sendo os exames que podem ser utilizados a hemaglutinação indireta (HAI), e imunofluorescência indireta (IFI) e o método imunoenzimático (ELISA).

Para mais, os exames recomendados para a avaliação inicial do paciente com doença de Chagas na forma crônica são o eletrocardiograma (ECG) - ao menos uma vez ao ano - e o raio-X de tórax. Caso o ECG apresente alterações, deve-se realizar o ecocardiograma.

Além disso, em casos suspeitos de megacólon chagásico, realiza-se o exame enema opaco. E em caso de suspeita de megaesôfago, a radiografia contrastada do órgão.

Em caso de suspeita de megaesófago chagásico, realiza-se a radiografia com bário para observar a progressão do contraste, bem como observar distúrbios de motilidade característicos da doença. Esofagograma evidenciando paredes tortuosas, dilatadas e dificuldade de progressão do contraste. Fonte: https://radiopaedia.org/cases/chagas-disease-megaoesophagus?lang=us
Em caso de suspeita de megaesófago chagásico, realiza-se a radiografia com bário para observar a progressão do contraste, bem como observar distúrbios de motilidade característicos da doença. Esofagograma evidenciando paredes tortuosas, dilatadas e dificuldade de progressão do contraste. Fonte: Radiopaedia

O diagnóstico diferencial deve ser feito com a leishmaniose visceral, malária, dengue e febre tifóide. E ainda, com a esquistossomose aguda, toxoplasmose, mononucleose infecciosa, sepse e doenças autoimunes.

Como tratar o paciente com doença de Chagas?

Para tratamento da doença de Chagas, o benznidazol é o fármaco de escolha. Entretanto, em caso de intolerância ou não responsividade, o nifurtimox pode ser utilizado.

Para mais, esse tratamento é indicado para todos os pacientes na fase aguda e de reativação da doença. Todavia, na fase crônica, a indicação deve ser avaliada de acordo com o quadro clínico, tendo o paciente com a forma indeterminada maior benefício com o tratamento.

Além disso, durante o tratamento, o uso de bebida alcoólica é proibido. Isso devido ao efeito antabuse - quadro de palpitações, sudorese, cefaleia, náusea e vômitos - resultado da associação entre as substâncias dos fármacos com o álcool.

Por fim, após iniciar o esquena terapêutico o paciente deve realizar o teste sorológico anualmente. Sendo considerado curado quando houver negativação do teste por 5 anos seguidos. Entretanto, nos indivíduos com a forma crônica, esse método de avaliação não é indicado.

Fonte:

  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, 2019.