A doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma antropozoonose muito prevalente e com importante morbimortalidade no Brasil. O agente etiológico infectante é o protozoário Trypanosoma cruzi, que tem como vetor insetos da subfamília Triatominae ou, como melhor são conhecidos, o “barbeiro” ou “chupão”.
A transmissão do protozoário pode ocorrer quando o inseto previamente infectado pelo T. cruzi se alimenta do sangue humano. Sendo essa a transmissão vetorial. Entretanto, há também a transmissão por via vertical - principalmente placentária - e a aquela por via oral.
Essa última é associada com os surtos de doença de Chagas aguda, e normalmente decorre da má higienização de alimentos. E ainda, há também a transmissão transfusional e por transplante de órgãos.
Quais são as fases da doença de Chagas?
Fase aguda
Nessa fase, há predomínio do parasita em número elevado na corrente sanguínea do hospedeiro. Para mais, o paciente pode apresentar sintomas específicos e inespecíficos da doença.
Sintomas inespecíficos
- Febre constante e inicialmente elevada (em torno de 38,5 ºC a 39 ºC), e com possíveis picos vespertinos ocasionais. Podendo persistir por até 12 semanas;
- Prostração;
- Diarreia;
- Vômitos;
- Inapetência;
- Cefaléia;
- Mialgias;
- Adenomegalia; e
- Exantema com ou sem prurido
Sintomas específicos
- Miocardite difusa;
- Pericardite;
- Derrame pericárdico;
- Tamponamento cardíaco;
- Insuficiência cardíaca;
- Derrame pleural;
- Edema de face, de membros inferiores ou generalizado. Em conjunto com tosse, dispneia, dor torácica, palpitações e arritmias;
- Hepatomegalias e/ou esplenomegalias;
- Sinal de Romaña: edema bipalpebral unilateral por reação inflamatória à penetração do parasita na conjuntiva e adjacências. Ocorre devido a reação inflamatória pela penetração do parasita; e
- Chagoma de inoculação: lesões furunculóides, não supurativas, com localização variada em membros, tronco e face. Assim como o sinal de Romaña, ocorre devido a reação inflamatória pela penetração do T. cruzi.
Observe as imagens abaixo relativas aos dois últimos sintomas específicos.
Na fase aguda todos os sintomas, mesmo quando não tratados, podem regredir espontaneamente, evoluindo para a fase crônica. Entretanto, em casos mais graves, o paciente pode evoluir para óbito.
Fase crônica
Nessa fase, a parasitemia (quantidade de protozoários na corrente sanguínea periférica) é baixa e intermitente. Além disso, o paciente pode apresentar 4 formas da doença: indeterminada, cardíaca, digestiva e forma associada ou mista.
Forma indeterminada
Nesta fase, o paciente encontra-se assintomático e sem sinais de comprometimento do aparelho circulatório. A confirmação para a anormalidade desse sistema se dá por achados normais no exame físico, eletrocardiograma e pelo raio-X de tórax normal.
Ainda na forma indeterminada o aparelho digestivo também deve apresentar-se sem alterações. Ou seja, com achados normais no exame físico, radiológico de esôfago e cólon.
O paciente pode permanecer nessa fase por toda a vida. Entretanto, ao longo do tempo, também pode evoluir para as formas cardíacas, digestivas ou associadas.
Forma cardíaca
Esta forma representa cerca de 30% dos casos crônicos da doença de Chagas. Por isso, ela é mais frequentemente encontrada nos pacientes que se encontram na fase crônica.
Além do mais, a forma cardíaca é responsável pelo maior número dos óbitos. Isso devido a possível evolução para miocardiopatia dilatada e insuficiência cardíaca congestiva.
Forma digestiva
O indivíduo encontra-se nesta fase quando houver evidência de comprometimento do aparelho digestivo. Frequentemente, o megacólon e/ou megaesófago chagásico. Para mais, representa 10% dos casos crônicos.
Forma associada ou mista (cardiodigestiva)
Nessa forma, há ocorrência concomitante de lesões no aparelho circulatório e digestivo.
Como diagnosticar o paciente com a doença de chagas?
Existem métodos adequados para diagnóstico do paciente a depender de qual fase ele se encontre. Assim, o método diagnóstico mais indicado para a fase aguda é o parasitológico e para a fase crônica ele é essencialmente sorológico.
Métodos diagnósticos para a fase aguda
O exame parasitológico é um método capaz de detectar o parasita circulando no sangue periférico. Os mais indicados são a pesquisa a fresco, métodos de concentração e a lâmina corada de gota espessa ou de esfregaço.
Esse último sendo realizado mais frequentemente na Amazônia Legal. Isso por permitir a pesquisa concomitante do protozoário da doença de Chagas e da malária.
Caso os exames parasitológicos sejam negativos, deve-se realizar nova coleta até confirmação do caso, ou até o desaparecimento dos sintomas da fase aguda. Além disso, a sorologia deve ser feita sempre que o exame parasitológico for negativo, mas a suspeita clínica persistir.
Assim, para confirmação da IgG, deve-se realizar duas coletas com intervalo mínimo de 15 dias entre elas.
Já a IgM pode estar presente em casos falsos negativos com uma grande variedade de doenças. Por isso, para considerar esse resultado, o paciente deve ter história clínica e epidemiológica sugestiva para a doença de Chagas.
Leia mais:
Métodos diagnósticos para a fase crônica
Nesta fase a parasitemia é pouco detectável. Por isso, os métodos parasitológicos possuem baixa sensibilidade. Assim, o diagnóstico é essencialmente sorológico.
A confirmação do diagnóstico nessa fase se dá quando há positividade em dois testes sorológicos de princípios distintos e com diferentes preparações antigênicas. Sendo os exames que podem ser utilizados a hemaglutinação indireta (HAI), e imunofluorescência indireta (IFI) e o método imunoenzimático (ELISA).
Para mais, os exames recomendados para a avaliação inicial do paciente com doença de Chagas na forma crônica são o eletrocardiograma (ECG) - ao menos uma vez ao ano - e o raio-X de tórax. Caso o ECG apresente alterações, deve-se realizar o ecocardiograma.
Além disso, em casos suspeitos de megacólon chagásico, realiza-se o exame enema opaco. E em caso de suspeita de megaesôfago, a radiografia contrastada do órgão.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com a leishmaniose visceral, malária, dengue e febre tifóide. E ainda, com a esquistossomose aguda, toxoplasmose, mononucleose infecciosa, sepse e doenças autoimunes.
Como tratar o paciente com doença de Chagas?
Para tratamento da doença de Chagas, o benznidazol é o fármaco de escolha. Entretanto, em caso de intolerância ou não responsividade, o nifurtimox pode ser utilizado.
Para mais, esse tratamento é indicado para todos os pacientes na fase aguda e de reativação da doença. Todavia, na fase crônica, a indicação deve ser avaliada de acordo com o quadro clínico, tendo o paciente com a forma indeterminada maior benefício com o tratamento.
Além disso, durante o tratamento, o uso de bebida alcoólica é proibido. Isso devido ao efeito antabuse - quadro de palpitações, sudorese, cefaleia, náusea e vômitos - resultado da associação entre as substâncias dos fármacos com o álcool.
Por fim, após iniciar o esquena terapêutico o paciente deve realizar o teste sorológico anualmente. Sendo considerado curado quando houver negativação do teste por 5 anos seguidos. Entretanto, nos indivíduos com a forma crônica, esse método de avaliação não é indicado.
Fonte:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, 2019.