Estudo
Publicado em
24/3/21

Leptospirose

Escrito por:
Leptospirose

A leptospirose é uma zoonose de característica febril de início agudo, causada por bactérias do gênero Leptospira. Elas são aeróbias, espiraladas e móveis, possuindo capacidade de migrar através dos tecidos do hospedeiro. O rato é considerado o principal reservatório da Leptospira, que elimina a bactéria pela urina, podendo contaminar água, lama, solo, vegetação, lixo e alimentos.

No Brasil a doença é endêmica, mas em épocas chuvosas passa a ser epidêmica. Isso ocorre devido a enchentes e ao saneamento básico precário para populações de baixa renda. Esses fatores fazem com que a urina dos ratos, presentes no esgoto, se espalhe. Desse modo, a penetração da bactéria se dá por meio da pele, não só quando há presença de lesões (o que facilita a penetração), como também ocorre no contato prolongado da bactéria com a pele íntegra e mucosas. O período médio de incubação da bactéria é de 5 a 14 dias.


Fluxograma mostrando ciclo biológico da leptospirose. Apesar do rato ser o principal reservatório da Leptospira, outros animais também podem ser vetores da bactéria, como caninos, suínos, equinos, bovinos e caprinos. Fonte: Labnet

Características

A gravidade da infecção depende da virulência do sorovar (sorotipo) infectante, da carga bacteriana e da resposta do hospedeiro. As principais características da infecção são a septicemia e a vasculopatia hemorrágica, essa ocorrendo devido a danos às membranas plasmáticas e junções intercelulares do endotélio vascular. Consequentemente, há aumento da permeabilidade capilar, com extravasamento de plasma e hemácias.  A septicemia provoca agressão generalizada aos tecidos do organismo, atingindo principalmente o fígado, coração, sistema nervoso central, os músculos esqueléticos e os rins. 

Quando acomete os pulmões, pode se manifestar através da hemorragia alveolar. Nos rins, ocorre a Injúria Renal Aguda (IRA), caracterizada por ser não oligúrica e hipocalêmica. No fígado, a leptospirose provoca colestase, que evolui para icterícia, que é uma das principais características da doença.

Quadro clínico

O quadro clínico é dividido em duas fases: a precoce e a tardia. A fase mais comum é a precoce, representando entre 85% e 90% das formas clínicas da doença. É caracterizada pela instalação abrupta da febre, acompanhada de cefaleia, mialgias (principalmente na região das panturrilhas e na lombar), náuseas, vômitos e anorexia. 

Além desses sinais e sintomas, a sufusão conjuntival, caracterizada por hiperemia e edema da conjuntiva ao longo das fissuras palpebrais, é encontrada em 30% dos pacientes na fase precoce. Ademais, diarreia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, dor ocular e tosse também podem estar presentes. Esse quadro clínico leve normalmente regride entre 3 e 7 dias sem deixar sequelas.

Presença de sufusão conjuntival. Note que a mucosa ocular também se encontra ictérica. O achado da sufusão associado à icterícia deve aumentar ainda mais a suspeita de quadro de leptospirose. Fonte: MedicinaNet

Aproximadamente 15% dos pacientes irão evoluir para a fase tardia, na qual ocorrem manifestações mais graves. A Síndrome de Weil, caracterizada pela tríade da icterícia rubínica, insuficiência renal e hemorragias (mais comumente nos pulmões), é um achado muito comum. A icterícia na leptospirose tem a particularidade de ser mais alaranjada (por isso chamada de “rubínica”), e ocorre devido a colestase hepática e por hemorragias cutâneas. 

Ambos os raio-X são do mesmo paciente, com suspeita de leptospirose. O primeiro raio-X é feito no atendimento inicial ao paciente, e o segundo, 24 horas após a internação. Perceba a consolidação difusa no primeiro raio-X, e seu aumento no segundo. Essa representa a pneumonite hemorrágica, podendo ser encontrada em pacientes com Síndrome de Weil, e que ocorre devido às hemorragias alveolares. Fonte: Scielo

O paciente com comprometimento pulmonar vai apresentar tosse seca, dispneia, hemoptise (devido às hemorragias alveolares) e, por vezes, dor torácica e cianose. Algumas outras complicações que podem surgir devido a leptospirose são a miocardite, distúrbios eletrolíticos, pancreatite, anemia e distúrbios neurológicos.

Na fase precoce, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a dengue, influenza, malária, doença de Chagas aguda e febre tifóide. Na fase tardia, o diagnóstico diferencial deve ser feito com as hepatites virais agudas, febre amarela, malária grave, dengue grave e febre tifóide. Ademais, deve-se também procurar por endocardite, riquetsioses, doença de Chagas aguda, sepse, meningite e pielonefrite aguda.

Diagnóstico e tratamento

No primeiro atendimento, define-se se o paciente apresenta Síndrome Febril Aguda, caracterizada pelos sinais e sintomas da febre, cefaleia e mialgia. E mais, verifica-se se ele teve algum contato prévio - 30 dias antes dos primeiros sintomas - com áreas alagadas, lama, esgoto (principalmente após chuvas e enchentes), ou se trabalha em área de risco para a doença.

Após confirmação de ambos os critérios, investiga-se presença de um ou mais sinais de alerta para a leptospirose. São eles: dispneia, tosse e taquipneia; alterações urinárias (geralmente oligúria); fenômenos hemorrágicos (incluindo hemoptise) e hipotensão; alterações do nível de consciência, vômitos frequentes, arritmias e icterícia. Para mais, o encaminhamento do paciente com sinais de gravidade deve ser feito de acordo com o fluxograma abaixo.

Fluxograma para condução do atendimento à leptospirose. Fonte: Ministério da Saúde, 2019.


Para diagnosticar o paciente na fase precoce da leptospirose, pode-se utilizar o PCR. Já para a fase tardia, o método prioritário de diagnóstico é o teste sorológico.

A antibioticoterapia deve ser feita em qualquer período da doença. O medicamento de escolha na fase precoce é a doxiciclina para adultos, e amoxicilina em crianças, como demonstrado na tabela abaixo. Na fase tardia, deve-se dar o antibiótico por via intravenosa por, no mínimo, 7 dias. São opções de tratamento a penicilina cristalina, a penicilina G cristalina, ampicilina, ceftriaxona e cefotaxima. 


Tabela para tratamento da leptospirose. Fonte: Ministério da Saúde, 2019.

FONTES:

  • BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde. Manual de Recomendações Para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília, DF, 2019.
  • FILHO, G. B. Bogliolo Patologia. 9 ed. Minas Gerais: Guanabara Koogan, 2016.