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27/10/21

Você domina o manejo das hepatites virais?

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Você domina o manejo das hepatites virais?

As hepatites virais, também conhecidas como “amarelão” e “tirica”, correspondem a um grupo de vírus hepatotrópicos. São eles os vírus A (HAV), B (HBV), C (HCV), D (HDV) e E (HEV), que apresentam diferentes características epidemiológicas, clínicas e laboratoriais.

Os vírus A e E são transmitidos via fecal-oral. Dessa forma, estão relacionadas às condições de saneamento básico, higiene pessoal e relação sexual desprotegida (contato boca-ânus) do paciente. Bem como a qualidade da água e dos alimentos.

Já os vírus B, D e C são transmitidos pelo sangue (via parenteral, percutânea e vertical). E mais, pela relação sexual desprotegida. Entretanto, o risco de transmissão vertical é maior na hepatite B, ocorrendo em até 90% dos casos em que há replicação viral na gestante.

Para mais, o vírus D é um vírus defectivo. Isso significa que ele necessita do antígeno de superfície do vírus B (HBsAg) para infectar o hospedeiro. 

Assim, pacientes infectados pelo vírus B estão suscetíveis a infecções simultâneas pelo vírus B e D. Da mesma forma, a vacina para a hepatite B é capaz de prevenir também a hepatite D.

Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais (https://www.medicina.ufmg.br/hepatite-c-representa-mais-de-70-dos-obitos-por-hepatites-virais/)
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais

Como é o quadro clínico da hepatite viral?

No exame clínico, é fundamental observar a faixa etária do indivíduo. Isso porque a idade nos auxilia na suspeita diagnóstica. Por exemplo, é mais comum a transmissão vertical do HBV, sendo a infecção pelo HCV durante o parto menos frequente.

Além disso, outros fatores de risco para a hepatite como o uso de drogas injetáveis, a prática sexual não segura e as condições sanitárias também devem ser observados. 

A hepatite de duas formas: oligo/assintomática ou sintomática. Dessa maneira, pode ser classificada como hepatite aguda, hepatite crônica e hepatite fulminante.

Hepatite aguda

A hepatite aguda apresenta três fases: o período prodrômico ou pré-ictérico, a fase ictérica e a fase de convalescença.

Fase pré-ictérica

Ocorre logo após a infecção pelo vírus, e se estende até o desenvolvimento da icterícia. Os principais sintomas nessa fase são inespecíficos e o paciente pode apresentar febre baixa, náuseas, vômito e astenia. 

Além desses, outros sintomas como anorexia, cefaleia, diarreia, mialgia e desconforto no hipocôndrio direito podem ser observados. E ainda, urticárias, artralgia ou artrite e exantema macular ou maculopapular.

Fase ictérica

Ocorre com o aparecimento da icterícia. Nesta fase, há diminuição dos sintomas prodrômicos (fase pré-ictérica). Normalmente, observa-se hepatomegalia dolorosa e, ocasionalmente, esplenomegalia.

Fase de convalescença

Nesta fase, há o desaparecimento da icterícia e da maioria dos sintomas do paciente. Entretanto, a fraqueza e o cansaço podem persistir por vários meses.

Hepatite crônica

A hepatite crônica é definida como a persistência dos marcadores genéticos ou de antígenos virais por um período de 6 meses após o diagnóstico inicial

A forma crônica da hepatite pode ocorrer quando o paciente é infectado pelos vírus B, C ou D. 

Para mais, a cronicidade da doença provoca dano hepático ao longo do tempo, com uma possível evolução do quadro com fibrose extensa e, consequentemente, uma cirrose hepática. Além disso, existe um risco maior de desenvolver o carcinoma hepatocelular.

Fonte: Mundo Educação (https://mundoeducacao.uol.com.br/doencas/hepatite-c.htm)
Fonte: Mundo Educação

Risco de cronificação: Hepatite B

E mais, o risco de cronificação pelo HBV varia de acordo com a idade. Assim, quando a infecção ocorre em menores de 1 ano, o risco é de 90%. Já em adultos, o risco de cronicidade é de 10%. 

Risco de cronificação: Hepatite C

Nas infecções por HCV, a taxa de cronificação varia entre 60% e 90%. Sendo maior em pacientes do sexo masculino, imunodeficientes e com idade superior a 40 anos.

Risco de cronificação: Hepatite D

Já nas infecções pelo vírus D, há 70% de chance de cronificação nas superinfecções (portador de hepatite B crônico infectado pelo vírus D). Já nas coinfecções (infecção simultânea entre vírus B e D) a chance de cronificação é de 5%.

Hepatite fulminante

É definida pelo surgimento da icterícia, coagulopatia e encefalopatia hepática em intervalo de até 8 semanas. Dessa forma, caracteriza uma insuficiência hepática aguda

A hepatite fulminante ocorre devido a uma degeneração e necrose maciça dos hepatócitos. Assim, a letalidade nesses casos é alta, e varia entre 40% e 80%.

Como diagnosticar o “amarelão”?

Para diagnosticar as hepatites virais realizam-se provas específicas para a detecção de antígenos.

Hepatite A (HAV)

Interpretação Anti-HAV total Anti-HAV IgM
Infecção aguda pelo HAV/ infecção recente Reagente (+) Reagente (+)
Infecção passada/imunidade (por contato prévio ou por vacina) Reagente (+) Não reagente (-)
Suscetível Não reagente (-) Não reagente (-)
Fonte: Ministério da Saúde, 2019

Anti-HAV IgM

O achado de anti-HAV IgM define o diagnóstico da hepatite A aguda. Esse anticorpo é detectável a partir do 2º dia do início dos sintomas, e desaparece após 3 meses da infecção. 

Anti-HAV IgG

Já o anti-HAV IgG está presente na fase de convalescença, e persiste por tempo indefinido, indicando que o paciente apresenta imunidade específica para o vírus. E mais, o anti-HAV total demonstra os anticorpos IgM e IgG simultaneamente.

Hepatite B (HAB) 

Interpretação HBsAg Anti-HBc total
Início da fase aguda: Necessário repetir sorologia após 30 dias Reagente (+) Não reagente (-)
Hepatite aguda ou crônica: Solicitar anti-HBc IgM Reagente (+) Reagente (+)
Cura (desaparecimento do HBsAg): Solicitar anti-HBs Não reagente (-) Reagente (+)
Suscetível: Indicar vacina ou pedir anti-HBs para confirmar soroconversão, caso a pessoa informe que já foi vacinada Não reagente (-) Não reagente (-)
Fonte: Ministério da Saúde, 2019

HBsAg

O HBsAg (antígeno de superfície do HBV) é detectado na maioria dos indivíduos com hepatite B aguda ou crônica. É um dos primeiros marcadores da infecção, sendo detectável de 30 a 45 dias após a infecção.

Anti-HBc IgM

Já o anti-HBc IgM (anticorpo IgM contra antígeno capsídeo do HBV) é também um marcador de infecção recente. Pode ser encontrado 30 dias após o aparecimento do HBsAg e permanece detectável por até 32 semanas.

Anti-HBs 

O anti-HBs (anticorpo contra antígeno de superfície do HBV) indica imunidade ao HBV. Isso quando o título é igual ou superior a 10 UI/mL

Assim, sua detecção normalmente está associada com a diminuição do HBsAg, e indica cura. Em pacientes imunizados, aparece isoladamente.

HBV-DNA

Já o HBV-DNA (DNA do HBV) é o material genético do vírus, e indica a carga viral circulante no paciente.

Hepatite C (HCV)

Anti-HCV

O anti-HCV é detectável por meio do teste rápido ou de exames laboratoriais, e indica contato prévio com o vírus

Assim, pode ser detectado na forma aguda ou crônica da doença, bem como no paciente curado. Dessa forma, é específico para a fase em que o paciente se encontra.

HCV-RNA

Assim como o HBV-DNA, o HCV-RNA é o material genético viral e, por isso, evidencia a presença do vírus no paciente.

Leia mais:

Hepatite D (HDV)

Formas HBsAg Anti-HBc total Anti-HBc IgM Anti-HDV total Anti-HBs
Coinfecção (+) (+) (+) (+) (-)
Superinfecção (+) (+) (-) (+) (-)
Cura (-) (+) (-) (+) (+)
Fonte: Ministério da Saúde, 2019

Anti-HDV total

Para o HDV, podemos solicitar nos exames laboratoriais o anti-HDV total. Ele evidencia anticorpos contra o vírus da hepatite D nas classes IgM e IgG, simultaneamente.

HDV-RNA

Da mesma forma que o anti-HBV e o anti-HCV, o HDV-RNA é um marcador de replicação viral. 

Hepatite E (HEV)

Interpretação Anti-HEV total Anti-HEV IgM
Hepatite E aguda Infecção recente Reagente (+) Reagente (+)
Infecção passada/imunidade Reagente (+) Não reagente (-)
Suscetível Não reagente (-) Não reagente (-)
Fonte: Ministério da Saúde, 2019

Anti-HEV IgM

O anti-HEV IgM é um anticorpo específico para hepatite E em todos os indivíduos infectados recentemente. Torna-se reagente após 4 ou 5 dias do início dos sintomas, e desaparece 4 a 5 meses depois.

Anti-HEV IgG

Já o anti-HEV IgG é um anticorpo indicativo de infecção prévia pela hepatite E. Sua detecção indica que o paciente está na fase de convalescência. Esse marcador desaparece de 4 a 5 meses depois da resolução do quadro.

Diagnóstico diferencial

Na fase pré-ictérica, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a mononucleose infecciosa, a citomegalovirose e a toxoplasmose.

Já na fase ictérica, o diagnóstico diferencial deve ser feito com leptospirose, febre amarela, dengue hemorrágica e malária.

Como tratar o “tirico”?

Por fim, o tratamento para as hepatites agudas é sintomático, com exceção da hepatite C e da hepatite B grave.

Hepatite B crônica

Para o tratamento da hepatite B crônica, pode-se utilizar o alfapeguinterferona, o entecavir e o tenofovir.

Hepatite C crônica

É possível utilizar o sofosbuvir, a daclatasvir e a ribavirina como esquema terapêutico. 

Hepatite D crônica

Para tratar a hepatite D crônica, pode-se utilizar o regime terapêutico da alfapeguinterferona em conjunto com o tenofovir.

Fonte:

  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, 2019.