A leishmaniose visceral é uma doença sistêmica e crônica, sendo letal para 90% dos pacientes, caso não seja tratada. O agente etiológico responsável pela doença é o protozoário do gênero Leishmania, sendo a espécie Leishmania chagasi a que mais afeta indivíduos na América. No Brasil, cerca de 2/3 dos casos ocorrem no Nordeste, e apesar de ser uma doença tipicamente de áreas rurais, está cada vez mais presente em regiões urbanas.
O protozoário é transmitido ao homem através da picada do mosquito-palha. O mosquito também parasita outros mamíferos, sendo o cão o principal reservatório em ambientes urbanos. Após ser infectado, o período de incubação no homem pode variar entre 10 dias e 24 meses, e os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença são os extremos de idade - crianças e idosos- e a desnutrição.
Fisiopatologia
Apenas uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve a leishmaniose visceral. Por ser um parasita intracelular obrigatório, o protozoário invade o sistema reticulo-endotelial em sua forma promastigota e se reproduz no interior de células fagocíticas, principalmente os macrófagos. Os órgãos mais afetados nesse processo são o fígado e o baço, que sofrem hipertrofia e hiperplasia, e a medula.
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Dentro dos macrófagos, as formas promastigotas do parasita multiplicam-se e se tornam amastigotas, sendo liberadas para a corrente sanguínea. Assim, o ciclo é completo quando o mosquito-palha (flebotomíneo) pica novamente o ser humano, e o parasita é transmitido para o inseto.

O protozoário interfere na resposta imunológica do indivíduo infectado, diminuindo a ação dos linfócitos T e, consequentemente, deprimindo a resposta Th1 (padrão celular). Em contrapartida, há o aumento da resposta Th2 (padrão humoral), devido a uma ativação policlonal dos linfócitos B. Por isso, há uma produção excessiva de gama-globulinas, justificando a grande quantidade de IgM e IgG que podem ser evidenciados no soro dos pacientes com leishmaniose visceral.
Quadro clínico
As principais manifestações da doença são: febre de longa duração e esplenomegalia, podendo ou não ser acompanhada da hepatomegalia. Além desses sinais, pode haver astenia, adinamia (fraqueza muscular), perda de peso e anemia. A depender da gravidade, o quadro clínico pode ser classificado nas formas oligossintomático, aguda e calazar.
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O paciente oligossintomático cursa com sintomas leves. Pode apresentar febrícula, tosse seca, diarreia, adinamia persistente e uma discreta visceromegalia. Na forma aguda, os sinais e sintomas são mais intensos, caracterizados pela febre alta, diarreia acentuada, adinamia persistente e hepatoesplenomegalia mais proeminente.
Já no calazar - forma clássica da doença - o paciente apresentará um quadro clínico mais crônico. Inicialmente, há presença de tosse seca, febre leve a moderada de caráter intermitente (com 2 a 3 picos diários), manifestações hemorrágicas e prostração.
Com a progressão da doença, poderão existir edemas de mãos e pés, desconforto abdominal, palidez e sopros sistólicos multifocais, que podem evoluir para uma insuficiência cardíaca. Além disso, há desnutrição energético-proteica, apesar da manutenção do apetite, e o abdome torna-se edemaciado e globoso.

Diagnóstico
O diagnóstico de leishmaniose visceral pode ser dado em âmbito ambulatorial, considerando-se a história clínica e os dados epidemiológicos do paciente. Entretanto, quando possível, é ideal realizar exames para confirmação da doença. O diagnóstico pode ser dado através da imunoflorescência indireta (considerada positiva quando a diluição for 1:80), através do teste rápido imunocromatográfico ou por meio do ensaio imunoenzimático (ELIZA).
O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com a enterobacteriose septicêmica prolongada e o linfoma, devido a semelhança no quadro clínico entre essas comorbidades. O melhor exame para fazer a diferenciação entre essas doenças é o mielograma, que confirma a infecção pelo parasita quando são evidenciadas as formas amastigotas do protozoário.

Através dos exames laboratoriais, também poderão ser evidenciadas a hipergamaglobulinemia, com aumento acentuado de IgG e IgM, e pancitopenia, sendo ela causada devido a invasão do protozoário à medula óssea. Assim, há presença de anemia (Hg < 10%), leucopenia acentuada (< 2000 cél/mm3) e plaquetopenia (< 100.000/mm3).
Tratamento
É ideal que a confirmação parasitológica seja feita antes do início do tratamento. Entretanto, quando essa não pode ser realizada, inicia-se o tratamento mesmo sem a confirmação do diagnóstico. A droga de primeira escolha é o antimoniato de N-metil glucamina. Quando houver contraindicação à essa medicação, utiliza-se a anfotericina B na formulação lipossomal como a droga de segunda escolha.
Algumas contraindicações ao antimoniato de N-metil glucamina são a idade inferior a 1 ano ou superior a 50 anos, a insuficiência hepática, cardíaca ou renal, além da a infecção pelo HIV. O medicamento pode ser administrado por via IV ou IM, por 20 a 40 dias. Já a anfotericina B lipossomal deve ser administrada na forma IV, na dose 3mg/kg/dia, durante 7 dias.
Fontes
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, 2019.
SICILIANO, R. F. et al. Tratado de Infectologia. São Paulo: Atheneu, 2015.