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18/6/23

Doenças inflamatórias intestinais: o que é, sintomas e como tratar

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Doenças inflamatórias intestinais: o que é, sintomas e como tratar

Além disso, possuem apresentações clínicas semelhantes, manifestando-se com a diarreia prolongada e recidivante que pode durar décadas. De acordo com Robbins e Cotran, autores do livro: “Patologia: bases patológicas das doenças”, cerca de 10% dos casos de DII são diagnosticados como “colite indeterminada”, tornando a diferenciação entre essas duas comorbidades um desafio na prática médica.

Assim, saber reconhecer as principais diferenças entre elas é imprescindível. Além do mais, é um tema importante e frequente em questões de Clínica Médica nas provas de residência médica. Vamos saber mais sobre elas?

O que são as Doenças Inflamatórias Intestinais?

A Doença inflamatória intestinal (DII) é uma condição de inflamação crônica que pode ocorrer em qualquer parte do trato gastrointestinal, mas é mais comum no intestino delgado e no cólon. A DII é uma condição autoimune, o que significa que o sistema imunológico do corpo ataca erroneamente as células do trato gastrointestinal, lesando-as.

Quais são as Doenças Inflamatórias Intestinais?

Os dois principais tipos de doença inflamatória intestinal são a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa. A inflamação da Doença de Crohn penetra profundamente nas camadas teciduais (mucosa, submucosa, muscular e serosa - se caracterizando transmural), levando a complicações mais extensas. Já a Colite Ulcerativa afeta apenas o cólon e o reto. Nesses casos a inflamação é superficial, afetando apenas a camada mais interna do tecido intestinal (mucosa e submucosa).

Patogenia das Doenças Inflamatórias Intestinais

Fatores que exercem influência na patogenia das doenças inflamatórias intestinais. Fonte: Universidade Federal do Maranhão
Fatores que exercem influência na patogenia das doenças inflamatórias intestinais. Fonte: Universidade Federal do Maranhão

As doenças inflamatórias intestinais são baseadas no mecanismo crônico de inflamação do trato gastrointestinal. Embora a causa exata ainda não seja totalmente entendida, acredita-se que uma longa interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos esteja envolvida na patogenia dessas condições.

A inflamação crônica ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca o tecido intestinal saudável, desencadeando uma resposta inflamatória. Ademais, se supõe que o desequilíbrio da microbiota intestinal também pode desempenhar um papel na patogenia, juntamente com traços de estilo de vida, como alto estresse e dietas não balanceadas.

DICA DE PROVA 

Uma super "casca de banana" é o tabagismo, que é um fator de risco quando se trata da doença de Crohn, porém é um fator protetivo quando se lida com a Retocolite.

Doença de Crohn

Principais Características

Diversas são as possibilidades de padrões da acometimento da DC. Fonte: Crohn e Colite; link da fonte: http://www.crohnecolite.com.br/2013/09/classificacao-crohn.html

Diversas são as possibilidades de padrões da acometimento da DC. Fonte: Crohn e Colite

Uma característica marcante da doença de Crohn ou enterite regional é a de poder afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, até mesmo a cavidade oral, mas é predominante no íleo terminal e ceco. Ela possui acometimento transmural (todas as camadas do órgãos) e afeta os tecidos de forma descontínua. Isso significa que ela pode envolver toda a parede intestinal e provocar úlceras, estenoses, abcessos e/ou fístulas.

A síndrome tem como principal fator de risco o tabagismo, além da disbiose (desequilíbrio na flora intestinal). Para mais, não se sabe ao certo qual a sua causa, mas é provável que seja desencadeada pela desregulação do sistema imunológico. Ou ainda, por causa de fatores genéticos, da desregulação da microbiota intestinal, de infecções prévias e devido à qualidade da dieta. Vale salientar que, pacientes com histórico familiar do problema têm mais chances de desenvolvê-lo.

Acometimento de diversas camadas intestinais pela doença de Crohn. Fonte: Robbins Patologia 
Acometimento de diversas camadas intestinais pela doença de Crohn. Fonte: Robbins Patologia 

Quais são as principais características?

A doença de Crohn é limitada ao intestino delgado em aproximadamente 40% dos casos, e, em 30% deles atinge ambos os intestinos: delgado e grosso. Todavia, comumente afeta a válvula ileocecal e o ceco, e acomete o esôfago e o estômago. À macroscopia, suas principais características são a presença de “lesões em salto”.

Isso significa que múltiplas áreas do TGI são acometidas de forma descontínua. Essa característica pode ajudar na diferenciação da colite ulcerativa, assim como os estreitamentos, que são comuns à doença de Crohn. E ainda, devido ao processo inflamatório crônico ocorrendo nas alças, há presença de edema, espessamento de alça e hipertrofia da musculatura intrínseca, podendo provocar obstruções intestinais.

Segmento espesso no intestino delgado. Isso ocorre devido à fibrose, consequência da inflamação crônica. Fonte: Anatpat
Segmento espesso no intestino delgado. Isso ocorre devido à fibrose, consequência da inflamação crônica. Fonte: Anatpat

Para mais, pode haver presença de úlceras “serpentiformes”, que “seguem” o trajeto das alças intestinais. A consequência delas é o desenvolvimento de fístulas, abcessos e fissuras, estas últimas podendo ser profundas e perfurar as alças. 

Já à microscopia, percebe-se aglomerações de neutrófilos nas criptas da alça, que formam abscessos e provocam distorções na arquitetura da mucosa. Além disso, granulomas sem necrose caseosa estão presentes em 35% dos pacientes.

Sintomas da Doença de Crohn

Os sintomas  desta doença inflamatória intestinal são muito variáveis, mas a maioria dos pacientes apresenta ataques intermitentes – relativamente leves - de diarréia e dor abdominal, geralmente após as refeições. Devido à dificuldade na absorção de nutrientes, o enfraquecimento do paciente é característico da doença, além da febre, perda de apetite e, consequentemente, perda de peso.

Cerca de 20% dos indivíduos apresentam doença aguda com dor no quadrante inferior direito, febre e diarreia sanguinolenta, que pode resultar numa apendicite aguda ou perfuração intestinal. É comum que a doença de Crohn tenha períodos assintomáticos, que duram de semanas a meses. Podendo ser reativada por estímulos externos como o estresse físico ou emocional.

Os pacientes também podem apresentar sintomas extraintestinais como: uveíte, poliartrite migratória, sacroileíte e espondilite anquilosante. Além de eritema nodoso e baqueteamento das pontas dos dedos, vale salientar que podem se manifestar antes do diagnóstico ser fechado. A pericolangite e a colangite esclerosante primária podem ocorrer na enterite regional, no entanto, são mais comuns na colite ulcerativa.

Diagnóstico

Para realizar o diagnóstico dessa síndrome é preciso conhecer a história clínica do paciente, além de solicitar uma gama de exames clínicos e laboratoriais, e listar os sintomas. Ademais, como todo o aparelho gastrointestinal pode ser comprometido, para descartar a possibilidade de outras afecções semelhantes também é preciso solicitar exames de imagem.

Assim, para fazer o diagnóstico diferencial deve-se solicitar exames como: endoscopia digestiva (EDA), colonoscopia, tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM). Uma das etapas mais importantes será a biópsia coletada durante a colonoscopia ou EDA. 

DICA DE PROVA

Apesar dos livros tradicionais sempre demonstrarem um Raio-X com enema opaco para ilustrar a doença de Crohn, ele não é muito usado na prática e nem muito cobrado na prova. A única ressalva a isso seria para visualizar o "Sinal da Pedra em Calçamento". Veja a textura da mucosa abaixo:

Aspecto granulado em mucosa de estômago com Crohn: "Sinal da Pedra de Calçamento". Fonte: ResearchGate; link da fonte: https://www.researchgate.net/figure/Diffuse-cobblestone-mucosal-change-was-present-throughout-the-body-of-the-stomach-and-a_fig2_313350109
Aspecto granulado em mucosa de estômago com Crohn: "Sinal da Pedra de Calçamento". Fonte: ResearchGate

Quais exames ajudam no diagnóstico?

Exames de sangue e fezes

Os dois procedimentos são utilizados, dentre outras coisas, para avaliar a infecção, a atividade da doença, a deficiência nutricional e para fazer o diagnóstico diferencial. Não existem exames laboratoriais específicos que podem ser solicitados, mas parâmetros do exame de sangue como: anemia, leucócitos acima do comum e baixa concentração de albumina, podem ser indicativos.

Os sinais de inflamação (velocidade de hemossedimentação ou nível de proteínas reativa C elevados) também são sugestivos. Na presença de diarreia, solicitar a coleta de fezes é importante para descartar a possibilidade de determinadas infecções.

Exames de diagnóstico por imagem

Os exames de imagem avaliam as vísceras abdominais, para saber se existem massas ou lesões intra-abdominais, espessamento de alças intestinais, fístulas ou abscessos. A ressonância e a tomografia são indicadas para pessoas com dor abdominal grave e sensibilidade, pois avalia se há bloqueios, abscessos ou fístulas, bem como se existem outras causas de inflamação abdominal. Outros procedimentos que podem ser indicados são: enterografia por TC ou por RM. Além do exame de cápsula endoscópica, utilizado para avaliar o intestino delgado. 

Colonoscopia
Colonoscopia do cólon descendente de paciente com doença de Crohn. Perceba a presença da úlcera e de inflamação das paredes. Fonte: Medscape
Colonoscopia do cólon descendente de paciente com doença de Crohn. Perceba a presença da úlcera e de inflamação das paredes. Fonte: Medscape

Com a colonoscopia é possível analisar detalhadamente o intestino grosso, e, às vezes, o final intestino delgado, onde a síndrome se instala mais frequentemente. Ela também permite que sejam feitas biópsias, já que o exame histopatológico pode confirmar o problema.

As Doenças Inflamatórias Intestinais são um dos campos da gastroenterologia com maior relevância atualmente. Além da sua prevalência significativa, sua sintomatologia tende a afetar drasticamente a qualidade de vida dos pacientes acometidos. A doença de Crohn e a recolite ulcerativa são mais comuns em adolescentes e jovens adultos - entre 20 e 40 anos - com predomínio em pacientes brancos e do sexo feminino.

Quais os possíveis tratamentos?

Todo o tratamento feito para esta síndrome é voltado para controlar o processo inflamatório, aliviar os sintomas, ajustar deficiências nutricionais e prevenir as recidivas. Com isso, ele controla a doença, uma vez que ela não tem cura, embora existam períodos de remissão espontânea. 

Como ela pode atingir outros órgãos do corpo além do intestino, é imprescindível ter uma visão holística. Sendo assim, o paciente precisa de um acompanhamento multidisciplinar; Já que este distúrbio pode ser ativado por estresse físico e emocional, eles devem ser orientados a comer e a dormir bem, evitar a obesidade, praticar atividade física e não beber ou fumar.

Dessa forma, o tratamento desta doença inflamatória intestinal é um processo contínuo de indução e manutenção de remissão. Nos casos leves, inicia-se a indução com os 5-ASA, como a Mesalazina e Sulfassalazina. Já nos casos graves, a remissão é estimulada com o uso de Corticoides, como a Prednisona, uma vez que é uma droga que deve ser usada em curto espaço de tempo com efeitos rapidamente estabelecidos. 

Após a remissão, um ótimo medicamento para manutenção, visto que tem pico de ação em 8 semanas, é a Azatioprina, que deve substituir o Corticoide. Nos casos graves de difícil controle, temos a classe farmacológica dos Biológicos com uso a longo prazo, representada pelo Infliximab, Adalimumab, Certolizumab, entre outros. Além disso, pacientes com o intestino obstruído ou com abscessos ou fístulas que não cicatrizam precisam fazer um tratamento cirúrgico, para aliviar os sintomas..

DICA DE PROVA   

Se a banca descrever que o paciente tem um quadro grave, ela pode mencionar as Fístulas e Lesões Perianais, isso deve te induzirá a pensar no uso dos imunobiológicos!

Quais são as complicações da doença de Crohn?

  • Obstrução intestinal: complicação mais comum, que surge a partir de um inchaço ou tecido cicatrizado. Desse modo, a parede do intestino fica mais espessa, resultando nos estreitamentos (estenoses) de certas áreas do órgão;
  •  Perfurações intestinais;
  • Abcessos peritoneais: podem surgir em volta do ânus, a partir do intestino perfurado ou estenosado;
  • Fissuras (lesões ou rachaduras): ocorrem apenas no ânus;
  • Fístulas: presentes entre as alças do intestino, elas também podem envolver a bexiga, a vagina e a pele abdominal e perianal; e
  • Má absorção e a desnutrição: a doença geralmente afeta o intestino delgado, responsável por absorver a maioria dos nutrientes.

Retocolite Ulcerativa

Como e porque a retocolite se desenvolve?

A colite ulcerativa, também chamada de retocolite ulcerativa, é uma doença inflamatória do intestino, que afeta a camada interna do cólon (intestino grosso) e do reto. Com isso, a mucosa fica inflamada e com pequenas feridas na superfície, as úlceras. Sua apresentação mais comum é no Cólon Distal. Ela é mais incidente em adolescentes e adultos jovens e afeta significativamente a vida dos pacientes, por causa dos sintomas causados. Como já descrito, o fator inicial que desencadeia essa condição ainda não é completamente compreendido.

Quais os principais sintomas?

Os sintomas da retocolite tendem a serem cíclicos. Assim, os pacientes passam por um período de remissão que pode durar por meses ou anos. As manifestações clínicas podem persistir por dias, semanas ou meses. Desse modo, a doença pode se apresentar da seguinte maneira: dor abdominal inferior em cólicas, urgência evacuatória, diarreia com muco ou sangue, perda de apetite, astenia e perda ponderal.

Portadores de colite ulcerativa também podem apresentar sintomas extraintestinais, como: hiperemia e dor ocular, úlceras orais, nódulos e ulcerações cutâneas, osteoporose, nefrolitíase, colangite esclerosante primária, hepatite, cirrose e inflamação articular. As manifestações extraintestinais podem ser os primeiros sinais da enfermidade, aparecendo anos antes dos sintomas intestinais. Ou ainda, podem aparecer imediatamente antes ou podem nunca ocorrer.

Como fazer o diagnóstico da Retocolite Ulcerativa?

O diagnóstico desta doença inflamatória intestinal é dado através do conhecimento da história clínica do paciente e da sua família, incluindo a descrição dos sintomas, de exames de imagem, laboratoriais e físicos. A colonoscopia é muito importante para a confirmação diagnóstica, já que utilizando o tubo flexível é possível visualizar todo o intestino grosso, além da coleta de biópsia durante o procedimento. 

Ademais, também é imprescindível o exame de sangue, que não só contribui para confirmar a presença da doença, como também ajuda a mensurar a atividade inflamatória.  Através dele pode ser identificada a anemia e deficiência de ferro - causadas pelo sangramento – ou a deficiência de albumina, que é uma consequência das úlceras no intestino e da produção intensa de muco.

Para mais, pode ser solicitada uma sigmoidoscopia e um exame de fezes – para detectar a presença de inflamação e de anticorpos. E mais, a fim de estabelecer um diagnóstico diferencial é utilizado um marcador sorológico chamado pANCA. Esse último é um marcador de doença autoimune associada a ataque perinuclear das células.

DICA DE PROVA 

Se a questão trouxer a "Criptite" (inflamação das criptas do ânus) como achado, pense em retocolite antes de Crohn, pois a primeira acomete muito mais frequentemente o reto, apesar de não ser patognomônico.

Quais os possíveis tratamentos?

Assim como para a doença de Crohn, não existe cura para a retocolite ulcerativa, mas os tratamentos disponíveis têm dois objetivos: minimizar os sintomas e permitir que os pacientes entrem e permaneçam em remissão por longos períodos. A terapêutica deve ser personalizada às necessidades de cada indivíduo.

 Com isso, são utilizados os medicamentos sulfa ou derivados de Sulfassalazina. Quando os derivados não mostram resultados satisfatórios, é feita a prescrição de Corticoides por um breve período de tempo, pois as cortisonas atuam na forma ativa e aguda da doença, de maneira rápida e eficaz. Aqui também podem ser utilizados os aminossalicilatos e os biológicos nos casos graves.

Como diferenciar as Doenças Inflamatórias Intestinais?

Diferença entre Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn. Fonte: MD Saúde; link da fonte: https://www.mdsaude.com/gastroenterologia/doenca-de-crohn/
Diferença entre Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn. Fonte: MD Saúde

Além de todas as descrições acima, vamos observar as duas Doenças Inflamatórias Intestinais de modo comparativo:

RETOCOLITE ULCERATIVA DOENÇA DE CROHN
Localização Intestino grosso, mais prevalente em cólon descendente e sigmóide. Da boca ao ânus, mais prevalente na região ileocecal.
Fator de risco Não inclui tabagismo Tabagismo
Padrão de dano Contínuo Descontínuo
Histologia Lesão em mucosa e submucosa Lesão transmural + granulomas não caseosos
Macroscopia Pseudopólipos Pedras em calçamento
Comparação entre Retocolite Ulcerativa e Doença de Crohn. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos


Conclusão

As doenças inflamatórias intestinais são condições crônicas que afetam milhões de pessoas em todo o mundo e têm um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. O diagnóstico e tratamento adequados são cruciais para minimizar os sintomas e complicações das DII. Ainda é um campo não completamente conhecido, como vimos pela incerteza da fisiopatologia, mas é uma área em expansão de conhecimento pela quantidade de estudos que vêm sendo desenvolvidos nela.

Vamos ver questões NA PRÁTICA? Abaixo está o link de questões explicadas pelo Dr. Amyr Kelner sobre DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS:

Leia mais:

FONTES: