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Publicado em
23/5/25

Nefrite lúpica: o que médicos precisam saber para diagnosticar 

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Nefrite lúpica: o que médicos precisam saber para diagnosticar 

A Nefrite Lúpica é uma das manifestações mais importantes e temidas do lúpus eritematoso sistêmico (LES), responsável por uma parcela significativa da morbimortalidade associada à doença. Trata-se de uma condição que envolve múltiplos mecanismos imunológicos, levando a danos renais progressivos com apresentação clínica variável. Este texto detalhará as características fisiopatológicas, clínicas, laboratoriais e histológicas para um diagnóstico correto e seu manejo.

Nefrite lúpica: o que médicos precisam saber para diagnosticar?  

A nefrite lúpica é uma manifestação renal do lúpus eritematoso sistêmico (LES), em que o sistema imunológico provoca inflamação e lesões progressivas nos rins. Esse comprometimento geralmente surge alguns anos após o início do LES e pode estar presente mesmo sem sinais clínicos evidentes, sendo detectado muitas vezes apenas por alterações laboratoriais ou biópsia renal.

Patogênese explicada de forma clara 

A nefrite lúpica é uma nefropatia por deposição de imunocomplexos. Assim, nessa doença, há uma hiperatividade dos linfócitos B. Isso é decorrente de um distúrbio regulatório de linfócitos T ou mesmo por uma disfunção autógena de linfócitos B. Consequentemente, há produção de autoanticorpos anti-DNA. 

Os autoanticorpos anti-DNA formam depósitos nos glomérulos e ativam o sistema complementar do paciente. Dessa forma, a deposição crônica desses elementos provoca os achados histológicos que classificam a nefrite lúpica nas classes I, II, III, IV, V e VI. Observe a imagem abaixo para relembrar a anatomia microscópica dos glomérulos:

Representação do glomérulo
Representação do glomérulo. Fonte: MedicinaNet

Classe I: Glomerulonefrite mesangial mínima

A glomerulonefrite mesangial mínima caracteriza-se pelo achado de glomérulos normais. Entretanto, à imunofluorescência observa-se a deposição de imunocomplexos nos mesângios. É raro encontrar pacientes nesse estágio porque, normalmente, ele não apresenta indicação de biópsia. 

Classe II: Glomerulonefrite proliferativa mesangial

Lâmina histológica da glomerulonefrite proliferativa mesangial. Observe que os tufos glomerulares se “destacam” uns dos outros, formando “lobulações”. Além disso, observe a hipercelularidade
Lâmina histológica da glomerulonefrite proliferativa mesangial. Observe que os tufos glomerulares se “destacam” uns dos outros, formando “lobulações”. Além disso, observe a hipercelularidade. Fonte: Anatpat

Nessa classe, as lesões estão restritas ao mesângio, com depósitos de imunocomplexos, e o achado mais característico é a hipercelularidade mesangial. A glomerulonefrite proliferativa mesangial é comum em pacientes à nível laboratorial, uma vez que apresentam função renal normal e proteinúria e hematúria discretas. Além disso, a maioria dos pacientes nessa fase permanece estável, com apenas 20% evoluindo para a classe proliferativa difusa.

Classe III: Glomerulonefrite lúpica focal

Lâmina histológica com crescentes epiteliais. Os crescentes são proliferações de células no folheto parietal da cápsula de Bowman, estimuladas pela deposição de fibrina. Fonte: Anatpat (http://anatpat.unicamp.br/lamuro3.html)
Lâmina histológica com crescentes epiteliais. Os crescentes são proliferações de células no folheto parietal da cápsula de Bowman, estimuladas pela deposição de fibrina. Fonte: Anatpat

Na glomerulonefrite lúpica focal, há presença de proliferação endocapilar devido à infiltração de células mesangiais, neutrófilos e monócitos. Entretanto, menos de 50% dos capilares estarão envolvidos nesse processo inflamatório. Ademais, pode haver presença de necrose fibrinoide, picnose nuclear e ruptura da membrana basal. E ainda, é possível encontrar achados de crescentes epiteliais.

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Classe IV: Glomerulonefrite lúpica difusa

Lâmina histológica de nefrite lúpica na classe IV. Observe a distorção dos tufos devido a infiltração de células inflamatórias. E ainda, a presença de eosinófilos nos mesângios
Lâmina histológica de nefrite lúpica na classe IV. Observe a distorção dos tufos devido a infiltração de células inflamatórias. E ainda, a presença de eosinófilos nos mesângios. Fonte: Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 2018

Os achados na classe IV se assemelham aos da classe III. Entretanto, na glomerulonefrite lúpica difusa há acometimento de mais de 50% dos capilares, com distribuição difusa e global do processo inflamatório. Esse é o padrão mais encontrado em biópsias. Na imunofluorescência, há frações de complemento C1, C3 e C4. E ainda, é possível a evolução para uma insuficiência renal rapidamente progressiva, com necrose e crescentes epiteliais.

Classe V: Glomerulonefrite lúpica membranosa

Nessa classe, há presença de depósitos imunes na região subepitelial e hipercelularidade mesangial. Na coloração com prata, é possível encontrar formação de “espículas” (spikes).

Classe VI: Glomerulonefrite esclerosante avançada

A glomerulonefrite esclerosante avançada é caracterizada pela presença de lesões cicatriciais e esclerosantes avançadas, que acometem mais de 90% dos glomérulos.

Nefrite lúpica: como reconhecer os sinais e sintomas precocemente?

O quadro clínico é variável, e depende da natureza e gravidade das lesões. Ademais, é sujeito a variações que ocorrem com a progressão da doença. Entretanto, o quadro clínico mais grave ocorre nos pacientes nas classes III e IV. 

Classes I e II

As classes I e II apresentam lesões histológicas leves. Dessa forma, o sedimento urinário tende a ser inativo e a proteinúria é < 1g/dia. Os achados laboratoriais podem evidenciar altos títulos de anti-DNA e baixos níveis de complemento sérico.

Classe III

Nessa classe, o quadro clínico é mais evidente. Há presença de hematúria e cilindros hemáticos, bem como proteinúria - presente em níveis nefróticos em 30% dos pacientes. Além disso, é muito comum a presença de hipertensão arterial, e a sorologia é positiva para LES.

Classe IV

A classe IV é caracterizada por um quadro clínico mais grave. O paciente apresenta sedimento urinário ativo e síndrome nefrótica franca, e a insuficiência renal moderada é comum.

Classe V

Aqui o indivíduo apresenta síndrome nefrótica. Entretanto, sua função renal está preservada. Além disso, essa classe pode estar associada à trombose de veia renal, devido a complicações da nefropatia ou por defeitos de coagulação associados. Como na presença de anticorpos antifosfolipídicos

Classe VI

O paciente da classe VI apresenta quadro de insuficiência renal crônica. Infelizmente 25% dos pacientes, mesmo quando tratados corretamente, podem evoluir para este quadro.

Classe Sedimento urinário ativo Proteinúria Síndrome nefrótica Disfunção renal
I 0% 0% 0% 0%
II < 25% 25 a 50% 0% < 15%
III 50% 65% 25 a 30% 10 a 25%
IV 75% 95% 50% > 50%
V 50% 95% 90% 10 a 20%
Achados clínicos e laboratoriais de acordo com as classes da nefrite lúpica. Fontes: Princípios de Nefrologia

Como diagnosticar a nefrite lúpica? Exames e critérios atuais

Muitos testes sorológicos podem estar alterados na nefrite lúpica. Entre eles, a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR). Entretanto, os exames mais específicos são os níveis séricos de complemento total (CH50), a fração de C3 e os títulos de anti-DNA. O complemento estará consumido pois os autoanticorpos o utilizam na ativação do sistema de produção dos seus imunocomplexos.

Além disso, os critérios diagnósticos atualmente utilizados incluem os critérios do American College of Rheumatology (ACR) e do Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC), que exigem a presença de manifestações clínicas e laboratoriais compatíveis, muitas vezes confirmadas por biópsia renal.

A biópsia renal desempenha papel central no diagnóstico e manejo, não apenas classificando a nefrite lúpica em classes histológicas, mas também avaliando o índice de atividade (grau de inflamação) e o índice de cronicidade (grau de fibrose e cicatrização), que são fundamentais para guiar o tratamento e prever o prognóstico.

Tratamento da nefrite lúpica: o que fazer após o diagnóstico? 

Pacientes com lesões renais mínimas ou leves, como na classe II, não necessitam de tratamento específico para a nefropatia. Neles, o tratamento é apenas para as manifestações extrarrenais. Todavia, deve-se ter cautela com a prescrição de anti-inflamatórios não hormonais em altas doses, pelo risco de piora da função renal.

Para o tratamento das glomerulonefrites focal e difusa (classe III e IV), o tratamento deve ser mais agressivo. Assim, deve ser feito com corticosteroides, sendo a mais comum a prednisona VO na dose de 60 a 80 mg/dia, por 6 a 8 semanas. A retirada da medicação deve ocorrer de forma lenta e gradual.

Para mais, a maioria dos pacientes na classe IV deve receber medicações citostáticas. Isso porque previnem recidivas e a progressão para a doença renal crônica. Assim, a ciclofosfamida é uma opção, na dose 0,75 g/m2, em pulsos mensais e trimestrais, por 18 a 24 meses. Já na fase de manutenção, utiliza-se medicamentos menos tóxicos. Como a azatioprina e o micofenolato mofetila (MMF).

Por fim, para controle da progressão, deve-se realizar as medidas para controle da hipertensão, obesidade e dislipidemia, bem como o fim do tabagismo. Os inibidores da enzima conversora de angiotensina são uma boa opção pelos efeitos antiproteinuricos e antiproliferativos. Ademais, é importante o monitoramento com exames periódicos de função renal, proteinúria e marcadores imunológicos (anti-DNA, complemento).

Vale destacar que o manejo ideal envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo reumatologista, nefrologista e, em alguns casos, hematologista, especialmente quando há síndrome antifosfolipídica associada.

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