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Publicado em
2/5/25

Atresia tricúspide: guia completo para a prova de residência

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Atresia tricúspide: guia completo para a prova de residência

A Atresia Tricúspide faz parte do grupo de condições cardiológicas chamadas de “Cardiopatias congênitas”, as quais se tratam de malformações cardíacas que podem ser diagnosticadas ainda em momento intra-útero. Por esse motivo, o ecocardiograma intrauterino vem ganhando espaço no contexto da rotina pré-natal, sendo até discutida a sua obrigatoriedade. Vamos entender o mecanismo dessa malformação?

Atresia tricúspide: Entenda essa malformação cardíaca e suas consequências 

A Atresia Tricúspide é uma cardiopatia congênita cianótica caracterizada pela ausência completa da válvula tricúspide, o que impede a comunicação direta entre o átrio direito e o ventrículo direito do coração. Essa malformação leva a um desvio obrigatório do fluxo sanguíneo, geralmente por meio de uma comunicação interatrial e, frequentemente, de um defeito do septo ventricular ou um canal arterial patente, permitindo a oxigenação parcial do sangue.

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS CIANÓTICAS CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS
Tetralogia de Fallot Defeito do Septo Interventricular
Transposição das Grandes Artérias Defeito do Septo Atrial
Atresia Pulmonar Coarctação da Aorta
Tronco Arterioso Comum Persistência do Canal Arterial
Síndrome de Eisenmenger Comunicação Interventricular
Anomalia de Ebstein Valvopatias
Hipoplasia do Coração Esquerdo Regurgitação Mitral
Coração Esquerdo Totalmente Anômalo Estenose Aórtica
Cardiopatias congênitas Cianóticas e Acianóticas. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Durante o desenvolvimento embrionário, a atresia tricúspide acontece por uma falha na formação dos coxins endocárdicos (responsáveis pela formação das válvulas atrioventriculares). Ainda que a etiologia exata permaneça incerta, não há evidência conclusiva de uma predisposição genética direta. 

Anatomia da Atresia Tricúspide com associação de defeito no septo interventricular. Fonte: Kids Health
Anatomia da Atresia Tricúspide com associação de defeito no septo interventricular. Fonte: Kids Health

Atresia tricúspide: como reconhecer os sinais clínicos no recém-nascido?

O quadro clínico da atresia tricúspide costuma se manifestar nas primeiras semanas de vida, com sinais que refletem a gravidade das alterações hemodinâmicas causadas pela malformação. A redistribuição do fluxo leva a uma sobrecarga das câmaras esquerdas e gera hipoplasia do ventrículo direito, além das mudanças na perfusão pulmonar, que são os principais determinantes da apresentação clínica.

Quando há obstrução ao fluxo pulmonar (por atresia ou estenose da valva pulmonar, ou pela ausência de uma comunicação com a artéria pulmonar) o sangue depende de estruturas como o ducto arterioso para alcançar os pulmões. Nestes casos, predomina a cianose intensa, especialmente após o fechamento fisiológico do canal arterial.

Cianose central. Fonte: Research Gate
Cianose central. Fonte: Research Gate

Por outro lado, nos casos em que há um CIV grande e fluxo pulmonar preservado ou aumentado, pode ocorrer sobrecarga pulmonar com sinais predominantes de insuficiência cardíaca congestiva, como taquipneia, sudorese ao se alimentar, ascite, dificuldade de ganho de peso e hepatomegalia. Essa variedade de apresentações clínicas pode ser encaixada na classificação clínica da doença:

CLASSIFICAÇÃO ANATÔMICA DA ATRESIA TRICÚSPIDE
Tipo I (70–80%)
Grandes artérias com anatomia normal
Ia: Septo interventricular íntegro + atresia pulmonar = circulação pulmonar totalmente dependente do canal arterial.
Ib: DSV pequeno + estenose pulmonar = fluxo pulmonar limitado.
Ic: DSV amplo sem obstrução = fluxo pulmonar aumentado com risco de congestão pulmonar.
Tipo II (12–25%)
Presença de transposição das grandes artérias (D-TGA)
IIa: DSV + atresia pulmonar.
IIb: DSV + estenose ou hipoplasia pulmonar.
IIc: DSV sem obstrução = fluxo pulmonar elevado.
Tipo III (3–6%)
Envolve mal posicionamentos complexos, como tronco arterioso, defeitos do septo atrioventricular ou dupla via de saída do ventrículo direito
(DSV = defeito do septo ventricular), Classificação Anatômica da Atresia Tricúspide. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Outras manifestações clínicas incluem baqueteamento digital após os três meses de idade, pulsos periféricos variáveis e murmúrios cardíacos múltiplos, como o holossistólico. A ausculta também pode revelar uma primeira bulha cardíaca única e intensa, além de alterações na segunda bulha cardíaca, cuja intensidade varia conforme a anatomia das grandes artérias.

Baqueteamento digital. Fonte: Research Gate
Baqueteamento digital. Fonte: Research Gate

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Diagnóstico: como não confundir com outras cardiopatias cianóticas

O diagnóstico da atresia tricúspide começa ainda na gestação e se estende ao período neonatal e em casos de falta de acesso a recursos de saúde, pode iniciar apenas como lactente. Com o avanço da ecocardiografia fetal, tornou-se possível identificar a malformação já durante a 22ª semana de gestação, embora em alguns casos possa ser detectada ainda mais cedo. A suspeita se dá pela ausência do fluxo tricúspide e pela hipoplasia do ventrículo direito.

Ecocardiografia fetal evidenciando Atresia Tricúspide. Fonte: Research Gate
Ecocardiografia fetal evidenciando Atresia Tricúspide. Fonte: Research Gate

Nos casos em que o diagnóstico não é feito antes do nascimento, a suspeita clínica surge a partir da apresentação de cianose nas primeiras horas ou dias de vida, especialmente após o fechamento fisiológico do ducto arterioso. A triagem neonatal com oximetria de pulso pode sugerir hipóxia, e a presença de sopros cardíacos pode motivar uma investigação do achado.

O exame de escolha para confirmação diagnóstica é a ecocardiografia transtorácica, que demonstra diretamente a ausência da valva tricúspide e a comunicação interatrial obrigatória (geralmente um forame oval ou defeito do septo atrial), além de permitir a avaliação anatômica das demais estruturas cardíacas, como o septo interventricular, artérias grandes e a presença de estenoses ou atresias associadas. O Fluxo Doppler colorido complementa essa avaliação.

Embora a cateterização cardíaca não seja rotineiramente necessária para estabelecer o diagnóstico, ela pode ser indicada em situações específicas, como quando há suspeita de comunicação interatrial restritiva que comprometa a oxigenação adequada. Nesses casos, pode ser feita uma septostomia atrial com balão, procedimento paliativo que visa melhorar o fluxo sanguíneo entre os átrios.

Além disso, a investigação genética pode ser recomendada, especialmente em casos com suspeita de síndromes associadas, como trissomias, síndrome de VACTERL ou microdeleção 22q11. Essa abordagem genética pode ajudar a orientar o prognóstico e o aconselhamento familiar.

Elementos da Síndrome de VACTERL. Fonte: Dra Vanessa Guimarães
Elementos da Síndrome de VACTERL. Fonte: Dra Vanessa Guimarães

Manejo clínico e cirúrgico da atresia tricúspide: o que o residente precisa saber?

O tratamento da atresia tricúspide é baseado em uma abordagem em 3 etapas, que visa adaptar a circulação sanguínea à anatomia característica da doença, onde há apenas o ventrículo esquerdo como funcional. A estratégia terapêutica busca redirecionar o sangue venoso sistêmico diretamente para os pulmões, sem a intermediação de uma câmara de bombeamento direita. Essa abordagem requer intervenções cirúrgicas progressivas ao longo dos primeiros anos de vida.

Estabilização inicial

Nos primeiros dias após o nascimento, a prioridade é estabilizar o RN. Em casos de obstrução ao fluxo pulmonar ou comunicação interventricular pequena, o bebê depende do canal arterial para garantir a oxigenação. Nesses casos, a infusão contínua de prostaglandina E1 é essencial para manter o ducto arterioso patente. Quando há sinais de congestão pulmonar, o uso de diuréticos pode ser necessário para aliviar os sintomas de insuficiência cardíaca.

Primeira fase: Estabelecimento do fluxo pulmonar

A abordagem cirúrgica inicial na atresia tricúspide depende do tipo anatômico e do fluxo sanguíneo pulmonar:

  • Com obstrução ao fluxo pulmonar: Realiza-se um shunt sistêmico-pulmonar, geralmente o de Blalock-Taussig modificado, para aumentar a oxigenação.
  • Com fluxo pulmonar excessivo (sem obstrução): Indica-se bandagem da artéria pulmonar para evitar hiperfluxo pulmonar. Em casos equilibrados, pode não haver necessidade de cirurgia imediata.
  • Com transposição das grandes artérias e obstrução sub-aórtica: Indica-se o procedimento Damus-Kaye-Stansel, que conecta a artéria pulmonar à aorta, geralmente com um shunt associado.

Segunda fase: Redirecionamento do retorno venoso superior

Por volta dos 6 meses de idade, é realizada a anastomose cavo-pulmonar superior. Nesse procedimento, a veia cava superior é conectada diretamente à artéria pulmonar direita, permitindo que o sangue que vem da parte superior do corpo alcance os pulmões passivamente, sem passar pelo coração.

Terceira fase: Circulação total cavo-pulmonar

A etapa final, geralmente realizada entre 2 e 4 anos de idade, é o procedimento de Fontan, em que a veia cava inferior é conectada à artéria pulmonar, completando a separação das circulações sistêmica e pulmonar. A conexão pode ser feita com um conduto extracardíaco ou intra-atrial, e inclui uma pequena fenestração que atua como válvula de escape temporária, permitindo um desvio mínimo de sangue para o átrio direito, caso a pressão pulmonar se eleve no pós-operatório imediato.

Coração após o remodelamento na cirurgia de Fontan. Fonte: Kids Health
Coração após o remodelamento na cirurgia de Fontan. Fonte: Kids Health

Considerações a longo prazo

Com o passar dos anos, o acompanhamento clínico regular é essencial para monitorar a função ventricular, pressão pulmonar e eventuais complicações do circuito de Fontan, como arritmias, proteinúria, disfunção hepática ou insuficiência ventricular. Quando há queda progressiva da função cardíaca e sintomas refratários, o transplante cardíaco pode ser considerado como alternativa terapêutica definitiva.

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