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Publicado em
14/4/21

Tetralogia de Fallot: relacionando a fisiopatologia ao quadro clínico

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Tetralogia de Fallot: relacionando a fisiopatologia ao quadro clínico

Cardiopatias congênitas são definidas como alterações estruturais do coração ou dos grandes vasos que apresentam impacto funcional ou potencial de impacto no indivíduo. A Tetralogia de Fallot é um exemplo de cardiopatia congênita, caracterizada pela presença de Comunicação Interventricular (CIV), hipertrofia do ventrículo direito (VD), dextroposição/cavalgamento da aorta e de estenose pulmonar (EP).

Figura 1: comparativo entre coração normal e portador da Tetralogia de Fallot.
Fonte: pediatriaufcspa.wixsite.com

As cardiopatias congênitas representam grande risco para os recém-nascidos. Desse modo, a mortalidade chega a 20% nos primeiros 12 meses de vida, e a sobrevida em 15 anos não passa dos 77%. Entretanto, quando essas patologias têm diagnóstico no período fetal, as complicações da doença podem ser evitadas através da programação do nascimento da criança, diminuindo as complicações. A Tetralogia de Fallot representa 3,4% das cardiopatias congênitas, e sua prevalência é de 0,21 a cada 1000 nascidos vivos.

Fisiopatologia

A presença da CIV e da EP são as duas características mais importantes da doença. Observe o trajeto do sangue: ao desembocar do átrio direito para o VD, o ventrículo contrai para levar o sangue até o tronco pulmonar. Entretanto, devido a presença da EP, o VD hipertrofia com objetivo de levar mais sangue para a circulação pulmonar. A hipertrofia do VD, na presença da CIV, vai “empurrar” o sangue da câmara direita para a câmara esquerda, devido ao VD estar mais “forte” que o ventrículo esquerdo. Isso provoca a mistura do sangue não oxigenado com sangue oxigenado, como pode ser observado na figura abaixo.

Figura 2: representação do fluxo sanguíneo no paciente com a tetralogia de Fallot. Perceba a mistura do sangue não oxigenado com sangue oxigenado, quando o sangue que chega ao VD adentra o ventrículo esquerdo, através da CIV. Fonte: Canal Midi

Ademais, a dextroposição da aorta (que pode ter angulação de 15% a 50% para a direita) faz com que uma parte desse sangue não oxigenado entre diretamente na circulação sistêmica. A EP, ao impedir o livre fluxo do sangue para o tronco pulmonar, também facilita o seguimento desse sangue pobre em oxigênio para a artéria aorta. Assim, a Tetralogia de Fallot é uma patologia cianótica e com hipofluxo pulmonar.

O ducto arterioso, presente na circulação do bebê até algumas horas ou dias após o nascimento, conecta a aorta ao tronco pulmonar. Devido às diferenças de pressão, ao nascer, parte desse sangue atravessa a aorta através do ducto arterioso e adentra novamente o tronco pulmonar. No paciente com a tetralogia de Fallot, a permanência desse ducto é favorável para diminuir a cianose, uma vez que a EP dificulta a passagem do sangue para ser oxigenado nos pulmões e o ducto arterioso permite esse “refluxo” do sangue pouco oxigenado, que é enviado para a circulação sistêmica.

Figura 3: representação do papel do ducto arterioso e do trajeto do fluxo sanguíneo indo desde a aorta até o tronco pulmonar. Fonte: MSD Manuals


Quadro clínico

Entender bem a fisiopatologia é fundamental para compreender o quadro clínico da doença. A cianose na criança é central e generalizada, acometendo a pele e as mucosas. Visto que a estenose pulmonar é o principal fator no desfecho da cianose, é possível fazer a seguinte observação: quanto maior o grau da EP, maior o grau da cianose. 

Com isso, ao auscultar o paciente, a 1ª bulha encontra-se normal, e a 2ª bulha pode se apresentar muito audível se a EP for leve, devido a maior passagem de sangue pela válvula. Com a progressão da EP, o sopro diminui gradativamente, e há o agravamento da cianose. 

Ademais, a criança pode apresentar crises de hipóxia, uma complicação importante, que pode levar a graves lesões neurológicas. Diante disso, além da cianose intensa, o paciente pode apresentar taquipneia e alterações na consciência. As crises normalmente ocorrem pela manhã, e são desencadeadas por atos como chorar e defecar. É mais frequente em lactentes entre 2 e 6 meses de idade. 

Em crianças maiores, podem ser encontrados achados como o baqueteamento digital e a adoção da posição de cócoras, adotada com intuito de aumentar a resistência da circulação sistêmica, facilitando a passagem do sangue para a circulação pulmonar e aliviando os sintomas da cianose.


Imagem 1: posição de cócoras é adotada para reduzir o fluxo sanguíneo em membros inferiores e, consequentemente, aumentar a resistência vascular sistêmica. Fonte: www.ca.fmrp.usp.br/
Imagem 2: baqueteamento digital causado pela hipóxia crônca. Fonte: www.danielsoutoortopedista.com.br/

Exames complementares

Exames complementares são fundamentais para avaliar a Tetralogia de Fallot. Desse modo, o melhor exame é o ecocardiograma, pois, além da avaliação dinâmica do tamanho e localização da CIV, pode avaliar também o calibre das artérias pulmonares e o suprimento sanguíneo pulmonar. O Raio-X de tórax também pode ser feito, e possui achados característicos, mas não patognomônicos da doença.

Imagem 3: Raio-X apresentando o “sinal do tamanco holandês”. O aumento do VD “empurra” o ápice do coração para cima, fazendo com que a figura cardíaca adquira forma de um tamanco. Fonte: Radiopaedia

Tratamento

O tratamento definitivo é cirúrgico, e feito de maneira eletiva no primeiro ano de vida, preferencialmente nos primeiros 6 meses. O uso de prostaglandinas para manutenção do ducto arterioso pode ser necessário, visto anteriormente que sua permanência melhora do quadro de cianose do paciente.

Para tratar as crises de hipóxia, deve-se colocar o paciente na posição de cócoras e fazer reposição de oxigênio. Em caso de falha desse mecanismo, utiliza-se morfina IV e beta-bloqueadores para controle do quadro. Os mecanismos por trás do uso da morfina e seu papel para a melhora do quadro não estão bem esclarecidos. Entretanto, usa-se o beta-bloqueador para relaxar a musculatura ao redor da valva pulmonar com intuito de diminuir a estenose e, consequentemente, aumentar o fluxo sanguíneo nos pulmões. Se as crises forem recorrentes, podem ser feitas cirurgias de reparo profilático até a cirurgia definitiva para correção da anatomia.

A cirurgia melhora o desfecho da doença. A técnica de Blalok, até hoje utilizada, é feita através de uma anastomose da artéria subclávia com a artéria pulmonar. O resultado disso é o aumento da circulação pulmonar e, consequentemente, melhora da saturação sistêmica de oxigênio. O paciente pode apresentar complicações após o tratamento, como arritmias, disfunção do ventrículo direito, hipertensão pulmonar e morte súbita.

Fontes