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Publicado em
4/11/21

Você sabe diagnosticar e tratar o paciente com migrânea?

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Você sabe diagnosticar e tratar o paciente com migrânea?

A migrânea, também conhecida como enxaqueca ou hemicrania simples, é uma cefaléia primária. Considerada uma condição crônica, pode ser incapacitante para muitos e tem uma elevada frequência entre a população.

É o terceiro transtorno mais prevalente do mundo, acometendo aproximadamente 1 bilhão de pessoas. Sendo mais frequente em indivíduos na fase adulta (18 a 49 anos) e no sexo feminino.

Epidemiologia da enxaqueca no Brasil. Fonte: Vitae Med
Epidemiologia da enxaqueca no Brasil. Fonte: Vitae Med

A relação genética da migrânea também é importante. Pacientes com familiares de primeiro grau acometidos pela doença têm três vezes mais risco de também serem enxaquecosos.  

E mais, caso o histórico seja de migrânea com aura, o risco é aumentado em até quatro vezes. Já na migrânea do tipo hemiplégica, o padrão genético é monogênico.

O diagnóstico dessa doença é clínico e, por isso, reconhecer com detalhes suas características é fundamental. Então aproveite esse post para tirar todas as suas dúvidas sobre a migrânea!

Por que a enxaqueca acomete mais as mulheres?

As mulheres são as mais acometidas por esse distúrbio, por causa da produção de estrógeno. Acredita-se que a enxaqueca pode ser desencadeada pelo aumento ou instabilidade no nível de estrogênio

Assim, não só é frequente entre as mulheres jovens durante a puberdade – devido a uma maior produção do hormônio feminino – como também pode se manifestar antes, durante e após o período menstrual.

Além disso, também existe a possibilidade dessa condição crônica se agravar após o parto, já que os níveis de estrogênio diminuem rapidamente.

E mais, no período imediatamente anterior à menopausa, no qual os níveis ficam instáveis, tornando mais difícil de controlar os sintomas. A enxaqueca é considerada uma síndrome, uma vez que, caracteriza-se por outros fatores para além da dor. 

Como ocorre a fisiopatologia da hemicrania simples?

Na migrânea, ocorre uma depressão cortical alastrante. Isso significa que os neurônios corticais são despolarizados e, assim, há aumento da concentração extracelular de potássio, aminoácidos e óxido nítrico.

Esses elementos provocam uma sensibilização dos neurônios e vasos sanguíneos, com consequente vasodilatação. Assim, os nociceptores (receptores responsáveis por captar estímulos da dor) vasculares são estimulados

Consequentemente, esse estímulo é captado pelo gânglio trigeminal e levado ao tronco cerebral. Em seguida, esse é enviado ao tálamo, que o envia para o córtex cerebral. 

Para mais, há alguns fatores que aumentam a sensibilização nociceptiva. Entre eles, o estresse, o padrão de sono e alimentação. E mais, determinados hormônios e a ansiedade.

Fisiopatologia da migrânea. Fonte: Medpri.Me
Fisiopatologia da migrânea. Fonte: Medpri.Me

O sistema nervoso das pessoas que têm enxaqueca é mais sensível. Por isso, as células nervosas cerebrais são facilmente estimuladas e a atividade elétrica produzida se espalha.

Isso desestabiliza temporariamente várias funções como a visão, o equilíbrio e a coordenação muscular. A cefaleia ocorre quando o V nervo craniano, o trigêmeo, é estimulado.

Desse modo, ele envia impulsos (como o de dor) dos olhos, do couro cabeludo, da testa, boca, mandíbula e das pálpebras superiores para o cérebro. Isso estimula os nervos, que podem liberar substâncias responsáveis pela inflamação dolorosa dos vasos sanguíneos cerebrais e das meninges

Sendo assim, a inflamação provoca cefaléia latejante, náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e ao som. Fatores como: estresse, insônia, jejum prolongado, odores e esforço físico podem desencadear a síndrome.‍

Fases da enxaqueca

A enxaqueca pode ser dividida em fases e, em cada uma delas, diferentes sintomas são relatados pelos pacientes, que podem não passar por todas elas.

Fase prodrômica 

Avisa a iminência de uma crise. Nessa fase, há um envolvimento predominantemente do tronco cerebral. Dessa forma, o paciente pode relatar cansaço, mudanças de humor, bocejos e sede

E mais, desejos por determinadas comidas, aumento da frequência urinária, sensibilidade à luz e ao som e sudorese.

Aura 

A aura é definida como sintomas neurológicos focais e transitórios, podendo ou não estar presente. Essa fase pode preceder ou acompanhar a crise álgica, havendo envolvimento maior do córtex cerebral. Além disso, pode durar de 5 a 60 minutos.

Fase álgica

Nesta fase, há envolvimento predominante do sistema trigêmeo-vascular. É caracterizada pela dor de cabeça, náuseas e, possivelmente, vômitos. Além da fotofobia, fonofobia e sensibilização aos cheiros. Podendo perdurar por 4 a 72 horas.

Fase pósdrômica

A fase pósdrômica, que ocorre após a crise álgica, é marcada pelo cansaço, dificuldade de concentração e rigidez cervical. Nessa fase, há maior envolvimento do tronco cerebral e diencéfalo.

Como diagnosticar a enxaqueca?

O diagnóstico da migrânea é baseado no histórico familiar do paciente, nos seus sintomas e no resultado do exame físico (incluindo o neurológico). 

Se a cefaléia se desenvolveu recentemente ou se ela for muito intensa e repentina é preciso realizar uma tomografia computadorizada ou ressonância magnética, a fim de eliminar outros problemas. 

Isso porque esses são alguns exemplos de “red flags”, ou seja, sintomas que podem indiciar uma possível cefaleia secundária. Por isso, esses exames podem ser feitos para identificar a causa base da dor.

Dito isso, ela pode ser dividida em dois principais tipos: sem aura e com aura. E ainda, é fundamental reconhecer quando o paciente é portador de enxaqueca crônica.

Migrânea sem aura

Para receber o diagnóstico de migrânea com aura, o paciente deve ter apresentado ao menos 5 crises com as seguintes características:

A - Duração entre 4 e 72 horas da crise sem o tratamento, ou com tratamento ineficaz
B - Ao menos duas das seguintes características:
- Caráter pulsátil da dor
- Localização unilateral
- Intensidade moderada a forte
- Exacerbada por ou que ela o paciente a evitar atividades físicas rotineiras
C - Durante a cefaleia, ao menos uma das seguintes características:
- Náuseas e/ou vômitos
- Fotofobia e fonofobia
D - Não mais bem explicada por outro diagnóstico
Fonte: Classificação Internacional das Cefaleias / Comitê de Classificação das Cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleia, 2018

Migrânea com aura

Para diagnosticar o paciente com migrânea com aura, o paciente deve ter ao menos 2 crises que preencham os seguintes critérios:

A - Um ou mais dos seguintes sintomas de aura plenamente reversíveis:
- Visual
- Sensorial
- Da fala/linguagem
- Motora
- De tronco cerebral
- Retiniana
B - Ao menos três das seguintes características:
- 1 sintoma durando mais que 5 minutos
- Dois ou mais sintomas ocorrendo em sucessão
- Cada sintoma da aura durando entre 5 e 60 minutos
- Ao menos um sintoma sendo unilateral
- Ao menos um sintoma sendo positivo
- Aura acompanhada ou seguida, dentro de 60 minutos, por cefaleia
C - Não mais bem explicada por outro diagnóstico
Fonte: Classificação Internacional das Cefaleias / Comitê de Classificação das Cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleia, 2018

Aura visual

A aura visual é o tipo mais comum, acometendo 90% dos pacientes com esse tipo de migrânea. 

Exemplos de aura visual. Fonte: Sociedade Brasileira de Cefaleia (https://sbcefaleia.com.br/noticias.php?id=351)
Exemplos de aura visual. Fonte: Sociedade Brasileira de Cefaleia

Aura sensorial

Já a aura sensorial é o segundo tipo mais comum. Sendo a parestesia (sensação de dormência ou formigamento) de um lado do corpo, da face e/ou língua sua principal manifestação

Essas anormalidades, geralmente, se localizam apenas em um lado do corpo e se espalham de maneira progressiva em alguns minutos.

Para mais, a afasia é a principal manifestação da aura relacionada à fala e à linguagem.

Aura hemiplégica

A migrânea hemiplégica é a migrânea com aura que inclui fraqueza motora. Os sintomas motores podem durar até 72 horas, ou persistir por semanas. Além disso, podem se apresentar sob a forma de paresias. 

Aura do tronco cerebral e aura retiniana

Na aura do tronco cerebral, sintomas como vertigem, zumbido e diplopia podem estar presentes.

Já na retiniana, os sintomas são monoculares. Nela, podem estar presentes cintilações, escotomas - que podem ser positivos ou negativos - e/ou amaurose.

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Migrânea crônica

Para diagnosticar o paciente com migrânea crônica, deve-se preencher os seguintes critérios diagnósticos:

A - Cefaleia (do tipo migrânea ou tensional) em ≥ 15 dias por mês por 3 meses, preenchendo os critérios abaixo
B - Ocorrendo em pacientes que apresentaram ao menos 5 crises que preencham os critérios de migrânea (com ou sem aura) ou cefaleia tensional
C - Em ≥ 8 dias/mês por > 3 meses, preenchendo qualquer dos seguintes:
- Critério C e D para migrânea sem aura
- Critério B e C para migrânea com aura
- Interpretada pelo paciente como sendo migrânea no início e aliviada por um triptano ou derivado de Ergot
D - Não mais bem explicada por outro diagnóstico.
Fonte: Classificação Internacional das Cefaleias / Comitê de Classificação das Cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleia, 2018

Como tratar a migrânea?

Não existe cura para a migrânea, mas ela pode ser controlada sendo tratada com medidas farmacológicas e não farmacológicas. 

A terapêutica escolhida é baseada nos sintomas do paciente. Por isso o tratamento farmacológico é direcionado para o quadro agudo do paciente e para realizar a prevenção das crises.

Tratamento não farmacológico

  • Acupuntura;
  • Mindfullnes;
  • Exercício aeróbico;
  • Eliminação dos desencadeadores como o chocolate, os alimentos gordurosos, queijos e as frutas cítricas;
  • Alimentação equilibrada;
  • Sono regular;
  • Controle no consumo de cafeína; e
  • Ioga;

Tratamento farmacológico agudo

Para o tratamento agudo ser considerado eficaz, o paciente deve se ver livre da cefaléia e dos sintomas associados em até 2 horas

Além disso, ele deve permanecer livre da cefaléia de 24 a 48 horas, com ausência de efeitos adversos ou efeitos adversos mínimos.

Dessa forma, as opções para tratamento do quadro agudo da enxaqueca são os analgésicos simples e AINES, indicados para pacientes com sintomas leves a moderados. E mais, as triptanas, antieméticos e derivados de Ergot

Triptanas

As triptanas são excelentes opções para tratar a crise aguda. Sendo indicadas para pacientes com sintomas moderados a graves. Evitam que os nervos liberem substâncias que possam provocar enxaquecas. Eles devem ser tomados assim que a enxaqueca começar, para serem mais eficazes.

Apresentando como contraindicações pacientes que sofreram infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.

Um exemplo é a sumatriptana, que pode ser prescrita em sua forma oral, nas doses de 24, 50 ou 100 mg. Podendo também ser prescrita pela via intranasal e subcutânea

Ditanas (lasmiditana)

Fazem parte de uma nova classe de medicamentos que podem cessar as cefaleias. 

Elas atuam como as triptanas, mas podem causar menos efeitos colaterais que envolvem o coração (como alterações na pressão arterial ou frequência cardíaca). Não se deve tomar mais de uma dose de lasmiditana em 24 horas.

Medicamentos antieméticos

Certos medicamentos antieméticos, como o proclorperazina ou metoclopramida podem ser usados para aliviar enxaquecas leves a moderadas. A proclorperazina, também é utilizada para evitar enxaquecas em indivíduos que não podem tomar os triptanos ou di-hidroergotamina.

Di-hidroergotamina

Interrompe enxaquecas intensas e persistentes. Normalmente é administrado com medicamentos antieméticos (usados para aliviar a náusea), como proclorperazina, administrado por via intravenosa.

Por fim, para migrâneas leve e moderadamente graves, os analgésicos ajudam a controlar a dor. São utilizados o paracetamol e anti-inflamatórios não esteroides, que podem ser tomados juntamente com os triptanos, durante uma crise. 

Para as migrâneas ocasionais e leves, analgésicos com cafeína, um opioide ou butalbital (um barbitúrico) podem ajudar.

Tratamento farmacológico preventivo 

O tratamento farmacológico preventivo é indicado para pacientes com pelo menos 3 crises de enxaqueca por mês, por pelo menos 3 meses.

Sendo também indicado para indivíduos com grau de incapacidade importante durante a crise e com falência de medicação abortiva. E, também, em caso de subtipos especiais da migrânea e quando a profilaxia não farmacológica é ineficaz

Assim, os objetivos do tratamento profilático são: reduzir a frequência, intensidade e duração das crises, melhorar a qualidade de vida e a resposta terapêutica ao tratamento agudo.

Para mais, é fundamental tratar os pacientes com enxaqueca episódica de alta frequência (8-14 dias por mês). Isso para evitar que evoluam para um quadro de enxaqueca crônica.

Por isso, para a prevenção da enxaqueca episódica, são recomendadas as classes de topiramato, amitriptilina e ácido valpróico. Já para a enxaqueca crônica, o topiramato também é uma opção, assim como a toxina botulínica tipo A.

Fontes:

  • XXXV Congresso Brasileiro de Cefaleia e XVI Congresso de Dor Orofacial, 2021.
  • msdmanuals
  • Pfizer