O trauma raquimedular (TRM) pode acarretar perda ou comprometimento das funções motoras e sensitivas do paciente. Por isso, é considerada uma catastrófica causa de inabilidade na prática médica. No Brasil, estima-se que a incidência seja de 8.6 milhões por ano no trauma cervical, e de 22.6 milhões por ano no trauma raquimedular geral.
O alto índice de casos, associados à alta morbimortalidade do TRM, fazem com que sejam fundamentais as medidas de prevenção à acidentes, bem como o treinamento das equipes de atendimento pré-hospitalar e das salas de emergência. Por isso, o EMR preparou mais um texto para contribuir com a sua formação! Leia esse texto quantas vezes precisar para dominar o manejo do trauma raquimedular.
O que é Trauma raquimedular?
O traumatismo raquimedular é qualquer trauma na coluna vertebral, podendo acarretar ou não em danos neurológicos. Assim, pode acometer ossos, ligamentos e estruturas neurológicas. No Brasil, as principais causas de traumas de coluna cervical são as quedas (40%), seguidas pelos acidentes automobilísticos (22%). O sexo masculino é um fator de risco para o trauma raquimedular (7,35:1)- ou seja - 88,01%dos pacientes com TRM são homens.
E mais, também são fatores de risco importantes os praticantes de esportes radicais, que correspondem a 8% dos pacientes. São considerados esportes de risco o futebol, rugby, o mergulho, o surf e a ginástica olímpica. O TRM apresenta dois picos de incidência, sendo o primeiro entre 16 e 30 anos, seguido por outro pico aos 60 anos. Exemplo disso são os acidentes automobilísticos, que atingem mais frequentemente os pacientes jovens, enquanto as quedas, os idosos.
Fisiopatologia
A medula espinhal é responsável pelas funções motoras e sensitivas, bem como pelo controle da temperatura, dor e regulação hemodinâmica. A medula realiza essas funções através dos tratos e sistemas simpático e parassimpático. Assim, o desfecho do trauma raquimedular dependerá do nível da lesão na medula.
Exemplo disso são as lesões em C2, que cursam com evolução fatal mesmo antes do atendimento hospitalar. Já as lesões em C3-C7 são responsáveis por inabilidades importantes, como a tetraplegia e disfunção respiratória grave.

E mais, o choque neurogênico, fenômeno hemodinâmico caracterizado por disfunção autonômica severa, raramente ocorre em lesões abaixo de T6, ocorre devido a interrupção do controle simpático na lesão medular aguda. Assim, a presença de choque associado a trauma cervical envolvendo a coluna torácica baixa deve ser considerado hemorrágico até que se prove ao contrário.
Por fim, as lesões medulares tendem a estender-se em um a dois níveis adjacentes, devido à presença de radicais livres, edema vasogênico e alterações hemodinâmicas locais.
Principais tipos de trauma raquimedular
As lesões decorrentes do trauma raquimedular podem ser classificadas em completas ou incompletas, ou em primárias ou secundárias. As lesões completas cursam com a perda total das funções motoras e sensitivas, abaixo do nível da lesão. Nesse tipo de lesão, ambos os lados são acometidos igualmente. Já quando há alguma preservação motora e/ou sensitiva abaixo do nível da lesão, essa é classificada como incompleta. Nesse caso, os déficits podem ser assimétricos. Por isso, nas lesões incompletas pode haver comprometimento exclusivamente motor com preservação das funções sensitivas, por exemplo.
E mais, as lesões primárias são causadas por rupturas, transecções ou distrações dos elementos neurais. Dessa forma, normalmente ocorrem após fraturas e/ou luxações da coluna vertebral, como também por ferimentos por arma de fogo ou armas brancas. Já as lesões secundárias surgem dias ou semanas após o trauma, e ocorrem devido a sangramento, edema ou inflamação decorrentes desse evento.
Apresentação clínica e complicações do trauma raquimedular
As lesões medulares nem sempre são óbvias. Déficits e paralisias podem surgir gradualmente, devido a hemorragias ou edema em torno da medula.
Em pacientes vítimas de acidente com alta energia, quedas de escadas e outros locais elevados, bem como mergulho em águas rasas, os traumas raquimedulares devem sempre ser presumidos.
Observe a tabela abaixo com sinais e sintomas indicativos de lesão medular:
Para mais, observe também a tabela abaixo com os sinais emergenciais. Caso o paciente apresente ao menos um desses, deve-se realizar a imobilização cervical. Assim como se estiverem intoxicados por álcool e/ou drogas.
A imobilização não é necessária para os pacientes que preenchem os seguintes critérios:
- Estão alertas
- Deambulam
- Menores de 65 anos
- Sem sinais e sintomas neurológicos
- Sem traumas associados
- Movimentam o pescoço em 45 graus para a direita e esquerda, sem restrições.
Para mais, o quadro clínico do paciente choque neurogênico é caracterizado por hipotensão, bradicardia relativa, vasodilatação periférica e hipotermia. Já no choque medular, o paciente irá apresentar perda completa das funções neurológicas abaixo do nível da lesão, incluindo os reflexos e tônus retal. Assista a esse vídeo para aprender, na prática, como as provas de Residência cobram esse assunto!
Como funciona o diagnóstico?
O diagnóstico precoce influi muito no prognóstico do paciente. Dessa forma, o objetivo do profissional que atua na sala de emergência é estabelecer o diagnóstico o mais rapidamente possível, iniciando o tratamento para prevenir déficits neurológicos. Além disso, é imprescindível realizar a diferenciação do choque hemorrágico e do choque neurogênico, a partir da verificação do nível medular acometido. Caso esteja abaixo de T6, considera-se que o choque seja hemorrágico, como falado anteriormente.
Tratamento da doença
Estima-se que entre 3% e 25% das lesões na medula espinhal ocorram após o evento traumático inicial, durante a abordagem local ou transporte. Assim, o tratamento do paciente com TRM começa no ambiente pré-hospitalar. A não identificação do TRM e sua abordagem rápida e correta podem levar à piora do dano neurológico, com aumento da inabilidade e invalidez.
Para além da presunção da existência do TRM, é necessário realizar a correta mobilização da coluna, mantendo-a alinhada em seu eixo, e transporte da vítima no manejo pré-hospitalar. Assista o vídeo abaixo, que explica como fazer a colocação do colar cervical.
Além disso, 20% dos traumas raquimedulares acometem múltiplos segmentos não contínuos na medula, evidenciando ainda mais a importância da imobilização. Sintomas como a insuficiência respiratória e a hipotensão devem ser tratados imediatamente, pois conferem riscos imediatos à vida. Assim, independentemente da causa do choque, a reposição de fluidos deve ser feita com cristaloides, preferencialmente até 2L, a fim de evitar edema pulmonar.
No choque neurogênico, objetiva-se manter a pressão arterial sistólica em torno de 90-100mmHg, e a frequência cardíaca, entre 60-100 bpm, com ritmo sinusal. Em caso de bradicardia significativa, inicia-se o tratamento com atropina. Além disso, busca-se prevenir a hipotermia.
Conclusão
O trauma raquimedular é uma condição grave e que pode provocar importante invalidez no paciente. Por isso, reconhecer a importância do manejo desse paciente no atendimento pré-hospitalar é fundamental.
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FONTE:
- SUEOKA, J., ABGUSSEN, C. APH - Resgate - Emergência em Trauma. Rio de Janeiro: Elsevier Editora LTDA, 2019.