A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA), associada a um aumento do risco de eventos cardiovasculares, cerebrovasculares e renais. É considerada a principal causa modificável de morbimortalidade global.
O reconhecimento precoce, a correta estratificação de risco e a implementação de condutas terapêuticas baseadas em evidências são pilares para o manejo adequado da condição. Recentes atualizações nas diretrizes europeias (ESC 2024) e na diretriz brasileira (2020) reforçam novas abordagens na definição, diagnóstico, metas terapêuticas e estratégias farmacológicas personalizadas.
Diretrizes atualizadas da HAS: o que mudou recentemente?
As atualizações mais recentes no manejo da hipertensão arterial sistêmica (HAS), especialmente as apresentadas nas Diretrizes Europeias da ESC de 2024, refletem uma mudança de paradigma na abordagem terapêutica, incorporando um modelo cada vez mais centrado na estratificação do risco cardiovascular global do paciente, ao invés de fundamentar a decisão clínica unicamente em valores absolutos de pressão arterial (PA). Essa abordagem permite maior individualização da terapêutica, com objetivos não apenas de controle pressórico, mas de redução efetiva da morbimortalidade cardiovascular.
Entre as principais inovações propostas pela ESC, destaca-se a intensificação do controle pressórico como estratégia prioritária. Em contraste com diretrizes anteriores mais conservadoras, os novos consensos recomendam metas pressóricas mais agressivas, visando uma pressão arterial sistólica abaixo de 130 mmHg para a maioria dos adultos, inclusive naqueles com comorbidades, desde que haja boa tolerância clínica.
O alvo ideal de PA sistólica situa-se entre 120 e 129 mmHg, evitando reduções excessivas que possam comprometer a perfusão tecidual, especialmente em idosos ou indivíduos com doença aterosclerótica estabelecida.
Outro ponto central na atualização é a recomendação do início precoce com terapia combinada, preferencialmente em forma de comprimido único contendo duas medicações anti-hipertensivas (por exemplo, um inibidor do sistema renina-angiotensina associado a um bloqueador dos canais de cálcio ou a um diurético tiazídico). Essa medida visa aumentar a eficácia terapêutica desde o início do tratamento e melhorar a adesão do paciente, reduzindo a complexidade posológica e a inércia clínica.
A monoterapia ainda é aceita, mas restrita a situações específicas, como em pacientes com pressão arterial limítrofe e risco cardiovascular global baixo.
A monitorização da pressão arterial fora do ambiente clínico também ganhou papel de destaque. As diretrizes reforçam que tanto a monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) quanto a monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) são ferramentas indispensáveis tanto para o diagnóstico preciso da HAS (especialmente nos casos de hipertensão do avental branco ou hipertensão mascarada), quanto para a avaliação da eficácia do tratamento e ajuste das condutas. A incorporação sistemática dessas ferramentas no acompanhamento ambulatorial amplia a acurácia diagnóstica e reduz erros terapêuticos.
Embora as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial de 2020 antecedam a publicação europeia, muitos dos princípios defendidos na versão da SBC já estavam alinhados a essas tendências internacionais. No entanto, a diretriz europeia de 2024 aprofunda e sistematiza esses conceitos, trazendo maior respaldo às decisões clínicas e recomendando, de forma mais enfática, o uso de estratégias baseadas em evidência robusta de desfechos clínicos.
Personalização do tratamento para subgrupos específicos
Além disso, a ESC 2024 introduz um enfoque mais detalhado na personalização do tratamento para subgrupos específicos, como pacientes com diabetes mellitus, doença renal crônica, doenças cardiovasculares prévias e idosos com fragilidade. Nestes grupos, recomenda-se cuidado redobrado na definição das metas pressóricas e na escolha dos agentes terapêuticos, priorizando o equilíbrio entre benefício e risco.
Nos idosos frágeis, por exemplo, a meta de PA é mais permissiva, evitando quedas excessivas da pressão arterial que possam desencadear eventos adversos como síncope, declínio cognitivo ou injúria renal aguda.
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Hipertensão arterial resistente
Um ponto adicional relevante é a abordagem da hipertensão arterial resistente, definida como a persistência de valores pressóricos elevados (PA ≥140/90 mmHg) apesar do uso otimizado de três classes distintas de anti-hipertensivos, incluindo um diurético.
As novas diretrizes passam a recomendar a espironolactona como quarta droga de escolha, além de considerar intervenções como a denervação renal por cateter em pacientes refratários ao tratamento clínico, desde que criteriosamente selecionados e com exclusão de causas secundárias de HAS.
Metas pressóricas por perfil de paciente
A definição das metas pressóricas deve ser feita com base em evidências de benefício clínico, levando em consideração o perfil do paciente. De forma geral, tanto a diretriz europeia quanto a brasileira apontam que a meta ideal para a maioria dos pacientes é uma PA sistólica <130 mmHg, desde que bem tolerada.
A PA diastólica deve ser mantida abaixo de 80 mmHg. Nos pacientes jovens e de risco moderado a alto, pode-se almejar reduções mais agressivas, com alvo de PA sistólica entre 120–129 mmHg. Nos pacientes idosos frágeis ou com múltiplas comorbidades, metas mais permissivas são recomendadas (sistólica entre 130–139 mmHg), evitando os riscos associados à hipotensão, como quedas, síncopes e piora da função renal.
Pacientes diabéticos
Nos pacientes com diabetes mellitus, a diretriz europeia recomenda alvo inferior a 130/80 mmHg, com especial cuidado para evitar a curva J, ou seja, pressões muito baixas que possam comprometer a perfusão miocárdica e cerebral. Na doença renal crônica, a meta é semelhante, com valorização da proteção da função renal a longo prazo.
Gestantes
Durante a gestação, as metas devem ser mais conservadoras: o objetivo é manter a PAS entre 120–139 mmHg e a PAD entre 80–89 mmHg, principalmente em casos de hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia, utilizando fármacos seguros para o feto.
Estratégias terapêuticas atualizadas para hipertensão arterial
O tratamento da HAS deve sempre começar com a intervenção sobre o estilo de vida, independentemente da necessidade de fármacos. Ambas as diretrizes reforçam medidas como redução da ingestão de sódio para menos de 2 g por dia, aumento do consumo de potássio, quando não contraindicado (por exemplo, em insuficiência renal), e adoção de dieta balanceada rica em vegetais, fibras e laticínios com baixo teor de gordura (como a dieta DASH).
A atividade física regular, preferencialmente aeróbica e de intensidade moderada (como caminhadas de 30–45 minutos, pelo menos 5 dias por semana), é fortemente recomendada. Outras intervenções incluem abandono do tabagismo, moderação do consumo de álcool e redução do peso corporal, visando um IMC <25 kg/m².
Como já mencionado anteriormente a ESC 2024 recomenda o início com a dupla terapia. Essa estratégia tem demonstrado maior eficácia na redução da pressão arterial e melhora na adesão terapêutica, pois simplifica o regime posológico.
A progressão do tratamento, caso as metas pressóricas não sejam atingidas, envolve a adição de uma terceira droga de classe diferente. O uso de comprimido único contendo duas ou três medicações distintas passou a ser fortemente encorajado como ferramenta para melhorar a adesão e facilitar o controle.
Situações especiais
Pacientes com condições específicas exigem adequações na conduta terapêutica. Nos idosos frágeis, deve-se evitar metas excessivamente rígidas e priorizar a tolerabilidade clínica.
Em gestantes, o tratamento da hipertensão requer agentes seguros para o feto: a metildopa, os betabloqueadores seletivos como labetalol e os bloqueadores de canal de cálcio (nifedipino de ação lenta) são preferidos; IECA e BRA são contraindicados devido à teratogenicidade.
Nos pacientes com diabetes mellitus, o uso de IECA ou BRA é preferencial devido ao efeito nefroprotetor. Na doença renal crônica, o uso dessas classes também é indicado mesmo que ocorra elevação transitória da creatinina, desde que a taxa de filtração glomerular seja monitorada adequadamente.
A hipertensão resistente exige investigação aprofundada, com exclusão de pseudo-resistência (baixa adesão, erro de medida, efeito do avental branco) e causas secundárias.
Mudanças relevantes para as provas de residência
As recentes atualizações das diretrizes trouxeram pontos que são altamente cobrados em provas de residência médica. Em primeiro lugar, o uso da estratificação de risco cardiovascular global para guiar a decisão terapêutica passou a ser obrigatório. Isso exige do candidato a capacidade de interpretar múltiplas variáveis clínicas (idade, comorbidades, lesões em órgão-alvo) e integrá-las à conduta.
Outro ponto recorrente é a preferência por dupla terapia em dose fixa como primeira linha, inclusive como tratamento inicial, o que exige conhecimento farmacológico e atenção às possíveis interações. A valorização da MAPA e MRPA como instrumentos diagnósticos e de seguimento clínico é uma mudança prática que frequentemente aparece em questões que abordam o diagnóstico diferencial da hipertensão.
Além disso, o conhecimento sobre os alvos pressóricos atualizados, inclusive em subgrupos como diabéticos, idosos e gestantes, é essencial para acertar questões clínicas e de conduta terapêutica.

Por que a HAS sempre cai nas provas de residência?
A hipertensão arterial sistêmica é uma das condições clínicas mais prevalentes na população adulta e apresenta alta relevância epidemiológica. Por sua natureza multifatorial e associação direta com doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, nefropatias e mortalidade global, a HAS é um tema transversal que dialoga com diversas especialidades médicas.
Além disso, sua condução exige integração de raciocínio clínico, conhecimento farmacológico, interpretação de exames complementares, abordagem centrada no paciente e no risco cardiovascular. Por isso, é um tema clássico e recorrente nas provas de residência médica.
As questões frequentemente cobram desde o diagnóstico correto até a escolha da terapêutica mais adequada, com base nas diretrizes mais recentes. O médico residente precisa dominar esse conteúdo não apenas para responder a provas, mas para atuar de forma eficaz na prática clínica diária.
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FONTES:
- BARROSO, W. K. S. et al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial – 2020. Arq Bras Cardiol, v. 116, n. 3, p. 516–658, 2021.
- MCEVOY, J. W. et al. 2024 ESC Guidelines for the management of elevated blood pressure and hypertension. European Heart Journal, v. 45, p. 3912–4018, 2024.