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29/8/22

Epilepsia: o que é, classificação e tratamento

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Epilepsia: o que é, classificação e tratamento

A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais frequentes, atingindo cerca de 50 milhões de pessoas no mundo, sendo que 80% dos casos estão em países subdesenvolvidos

É uma condição crônica que possui impacto biopsicossocial para os indivíduos e seus familiares, por ser muito estigmatizada pela sociedade, o que muitas vezes é mais prejudicial do que a própria doença em si.

Seus primeiros sinais costumam surgir na infância e é necessário estar atento para prevenir que mais crises ocorram ou tenham duração muito longa, gerando diversas sequelas para o indivíduo.

Conceitos Importantes

Convulsão/crises convulsivas

A convulsão pode ser definida como um conjunto de sinais e sintomas transitórios devido a atividades neuronais anormais, que podem ocorrer por diversas causas.

As crises podem ser provocadas, não provocadas ou reflexas. Dizemos que uma crise é provocada quando existem causas secundárias da convulsão, como meningite, traumas ou distúrbios metabólicos.

As crises não provocadas não possuem uma patologia secundária estabelecida ou um fator que seja reversível ou tratável.

Crises reflexas são causadas por estímulos luminosos e atividades motoras ou intelectuais complexas (exemplo: jogar xadrez).

O que é a epilepsia?

A epilepsia é uma doença neurológica caracterizada por uma predisposição a recorrentes crises convulsivas. Podemos definir com os seguintes critérios:

  • ≥ 2 crises não provocadas (ou 2 crises reflexas) em um período >24h
  • 1 crise não provocada ou reflexa e uma chance >60% de ter crises subsequentes. Veja a seguir, quando falarmos sobre a epilepsia resolvida, quais os critérios para estabelecer essa chance >60% de recorrência.*
  • Diagnóstico de síndrome epiléptica (com o auxílio de exames complementares)

Síndrome Epiléptica

São diversos distúrbios nos quais a epilepsia é a característica predominante, muitos de causa genética ou idiopática. Ex: síndrome de West, síndrome de Lennox-Gastaut, Síndrome de Epilepsia do Lobo Temporal Mesial (ELTM) e epilepsia mioclônica juvenil.

Estado de Mal Epiléptico

Conceitua-se estado de mal epiléptico (EME) quando uma crise convulsiva dura mais que 5 minutos ou há ≥2 crises sem recuperação total da consciência entre elas.

Epilepsia Resolvida

Ela é estabelecida quando uma pessoa está há pelo menos 10 anos sem crises, com os últimos 5 anos sem uso de medicação OU quando um indivíduo tem uma síndrome epiléptica idade-dependente e já tenha ultrapassado a idade limite.

As chances maiores do que 60% de recorrência das crises é estipulada quando houver 1 ou mais desses fatores:

  1. Exame neurológico anormal
  2. Estado de mal epiléptico
  3. Paralisia de Todd pós-ictal
  4. História familiar significativa de convulsões
  5. Eletroencefalograma anormal

Classificação das crises epilépticas

É fundamental conhecer o tipo de convulsão para auxiliar no diagnóstico etiológico, escolha do tratamento apropriado e para proporcionar dados para o prognóstico. 

Para isso, a Comissão de Classificação e Terminologia Internacional League Against Epilepsy (ILAE) organizou sistematicamente os tipos de crises.

As crises focais são restritas a 1 hemisfério cerebral e são associadas a anormalidades estruturais no cérebro, enquanto as generalizadas ocorrem em ambos os hemisférios e ocorrem devido a anormalidades bioquímicas, celulares ou estruturais disseminadas. 

Esquema expandido da classificação das crises epilépticas da ILAE.Esquema expandido da classificação das crises epilépticas da ILAE. Fonte: Classificação Operacional dos Tipos de Crises Epilépticas pela International League Against Epilepsy: documento da posição
Esquema expandido da classificação das crises epilépticas da ILAE.Esquema expandido da classificação das crises epilépticas da ILAE. Fonte: Classificação Operacional dos Tipos de Crises Epilépticas pela International League Against Epilepsy: documento da posição

Crises de início focal

Podem ser perceptivas ou disperceptivas (comprometimento da consciência), motoras, não motoras ou de início focal evoluindo para tônico-clônica bilateral. 

O eletroencefalograma (EEG) interictal (entre as convulsões) frequentemente é normal.

Após uma crise focal disperceptiva o paciente fica confuso e pode demorar até 1 hora para a sua recuperação ser considerada plena.

Crises de início generalizado

Originam-se em um ponto específico do cérebro, mas rapidamente ocupam redes neuronais em ambos os hemisférios cerebrais.

Nas crises de ausência típica o paciente tem por alguns segundos um lapso de consciência, sem perda do controle postural e a consciência retorna sem confusão pós-ictal

É o principal tipo de convulsão em 15-20% das crianças com epilepsia.

As crises tônico-clônicas generalizadas são o principal tipo de convulsão em 10% de todas as pessoas com esta doença neurológica, mas também em diversas outras situações de convulsão, principalmente por distúrbios metabólicos.

As convulsões atônicas se caracterizam por uma perda súbita do tônus postural por 1 a 2 segundos. A consciência pode ser um pouco prejudicada, mas não costuma haver confusão pós-ictal.

Manejo inicial da convulsão

As prioridades iniciais são monitorização dos sinais vitais, suporte respiratório e cardiovascular e uso de anticonvulsivantes, se necessário. 

No período pós-ictal deve-se realizar uma boa anamnese, questionando se já existe um histórico de convulsões.

Se o paciente relatar que foi o primeiro episódio de convulsão, deve-se investigar se o evento realmente foi uma convulsão ou outra circunstância, determinar a causa da convulsão e considerar terapia com antiepilépticos.

Avaliação do paciente adulto com convulsão. AVC, acidente vascular cerebral; EEG, eletrencefalograma; RM, ressonância magnética; SNC, sistema nervoso central; TC, tomografia computadorizada. Fonte: Harrison 20ª edição‍
Avaliação do paciente adulto com convulsão. AVC, acidente vascular cerebral; EEG, eletrencefalograma; RM, ressonância magnética; SNC, sistema nervoso central; TC, tomografia computadorizada. Fonte: Harrison 20ª edição

Tratamento da Epilepsia

A terapia farmacológica deve ser iniciada em todo paciente com convulsões recorrentes de etiologia desconhecida, ou com uma causa conhecida que seja irreversível.

Os fármacos mais antigos, como a fenitoína, ácido valproico, carbamazepina e fenobarbital são tão eficazes quanto os medicamentos mais modernos e são muito mais baratos

Às vezes é necessária uma combinação de drogas para controle total.

Em casos de muita refratariedade, o tratamento cirúrgico pode ser indicado, com procedimentos como ressecção do lobo temporal ou tonsilo-hipocampectomia, que são procedimentos seguros e eficazes.

O tratamento farmacológico pode ser suspenso quando não houver convulsões por pelo menos 1 ano, mas apenas entre 50% e 60% dos pacientes irão permanecer sem convulsões após a suspensão farmacológica (as recidivas costumam ocorrer nos primeiros 3 meses).

É recomendada uma redução gradual ao longo de 2 a 3 meses e os pacientes devem ser orientados a evitar situações perigosas, como dirigir automóveis ou praticar natação.

Para o EME, recomenda-se uso de benzodiazepínicos e caso haja hipoglicemia, administrar glicose 50% e tiamina. 

Se a convulsão persistir, ofertar fenitoína; se mesmo assim a convulsão não cessar, induzir a um coma medicamentoso, com infusão contínua de midazolam, propofol ou tiopental.

Conclusão

A epilepsia é uma doença causada por anormalidades neurológicas, em que há predisposição a recorrentes crises convulsivas. 

Importante lembrar que nem todas as crises convulsivas se devem a epilepsia, podendo ter diversas outras etiologias, como distúrbios metabólicos e infecções.

O manejo correto da doença é importante para impedir o estado de mal epiléptico, condição de maior gravidade que pode gerar sequelas preocupantes.

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