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Publicado em
26/1/23

Gangrena de Fournier: o que é, como diagnosticar e tratar

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Gangrena de Fournier: o que é, como diagnosticar e tratar

A Gangrena de Fournier é uma emergência cirúrgica, mais frequente em indivíduos do sexo masculino entre 30 e 60 anos. Ela é uma lesão perineal (acomete principalmente pênis e o escroto) incomum, mas que progride rapidamente, necessitando de intervenção precoce. 

Os principais fatores de risco para seu desenvolvimento são diabetes, imunossupressão, trauma, etilismo, obesidade mórbida, prática sexual de forma excessiva e atípica (por exemplo, colocar objetos no orifício uretral) e vasculite pélvica.

Definição

A gangrena de Fournier é uma fasceíte necrotizante perineal que desenvolve-se a partir de uma infecção local, que leva a endarterite e, consequentemente, a isquemia e a proliferação bacteriana.

Apesar de homens adultos serem mais acometidos, esta doença não está restrita a esse grupo, atingindo também mulheres e crianças. O escroto é a região mais afetada pela gangrena de fournier, mas o testículo costuma ser poupado na maioria das vezes. No entanto, essa infecção é facilmente propagada para o pênis e a parede abdominal anterior. 

A evolução das lesões dependem da virulência do patógeno e em casos avançados pode haver acometimento também das coxas e do dorso.

Gangrena de Fournier após debridamento. Fonte: Síndrome de Fournier, reconstrução Revista Brasileira de Cirurgia Plástica link: http://www.rbcp.org.br/details/1642/pt-BR/sindrome-de-fournier--reconstrucao-de-bolsa-testicular-com-retalho-fasciocutaneo-de-regiao-interna-de-coxa ‍
Gangrena de Fournier após debridamento. Fonte: Síndrome de Fournier, reconstrução Revista Brasileira de Cirurgia Plástica

Etiologia

Antigamente a gangrena de Fournier era dita como idiopática, mas agora certos fatores foram associados diretamente com seu desenvolvimento, como fístulas e fissuras anais e perfuração colônica, situações que ocorrem em condições como infecções urológicas, diverticulite, apendicite, câncer de cólon e doenças inflamatórias intestinais. 

Em homens, as principais etiologias são epididimite, orquite, trauma uretral, cateterismo vesical prolongado e infecção de glândulas bulbouretrais, enquanto que em mulheres ocorre mais por abortos sépticos, abscessos de glândulas de Bartholin, histerectomia e episiotomia. 

Crianças que apresentam essa doença mais comumente tiveram fimose, hérnia inguinal estrangulada, circuncisão, infecções sistêmicas, traumas e onfalite.

Geralmente a infecção é polimicrobiana, com agentes como Escherichia coli, bacteroides, Proteus e S. aureus. Fungos são raros, mas alguns casos de Candida albicans já foram relatados.

Apresentação clínica

Inicialmente há um quadro prodrômico, com  febre e letargia por 2 a 7 dias e em seguida surge dor, prurido, edema e vermelhidão. A doença progride com necrose e a coloração passa a ser mais escurecida, indicando necrose tecidual. À medida que a gangrena evolui, a dor para de ser um sintoma significativo, por conta de necrose em tecido nervoso, e o odor da lesão torna-se fétido.

O choque séptico é inevitável na evolução natural da doença, por isso, deve-se realizar manejo precoce para impedir maior extensão das lesões e efeitos sistêmicos.

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, mas para confirmar é necessária uma biópsia (com achados de necrose nas fáscias, trombose fibrinóide, infiltração de polimorfonucleares e microrganismos), para diferenciar de casos severos de celulite. Geralmente a biópsia é coletada durante o tratamento cirúrgico, onde há desbridamento dos tecidos desvitalizados.

Durante o internamento do paciente deve-se solicitar hemograma, gasometria, hemo e uroculturas - além de culturas de abscessos e feridas abertas quando existentes - coagulograma e ECG em indivíduos com perigo de doenças cardiovasculares. 

Exames de imagem podem ser úteis para avaliar presença de gás em tecidos moles e corpos estranhos, quando os achados em exame físico são inconclusivos. O raio X deve ser o primeiro a ser solicitado. O ultrassom não é bem tolerado pelos pacientes com gangrena de fournier, pois exige a compressão direta nos órgãos que estão dolorosos. 

A tomografia computadorizada é o exame mais ideal, pois é o que melhor avalia a extensão da lesão e suas possíveis causas (como abscessos intra-abdominais) e não gasta tanto tempo, nem impede monitorização adequada do paciente como a ressonância magnética.

Tratamento

O manejo requer equipe com urologista, intensivista, cirurgião geral e, por vezes, cirurgião plástico para melhor reconstrução da região afetada. Devido a isso, a transferência para um setor de complexidade terciária é necessária.

É fundamental o desbridamento do tecido necrótico e a antibioticoterapia empírica, com medicações de amplo espectro. Importante se atentar para a necessidade de reposição volêmica e suporte de oxigênio. A profilaxia antitetânica também é recomendada, assim como o controle de outras comorbidades do paciente.

Muitos casos requerem cirurgias reconstrutivas, apesar disso, o prognóstico é bom após o desbridamento e a reconstrução. O escroto se regenera rapidamente uma vez que a infecção e a necrose são solucionadas.

Fatores associados à maior mortalidade são a infecção de origem anorretal, idade avançada, choque e sepse. Além de insuficiência renal, disfunção hepática e lesão muito extensa, como o acometimento abdominal e/ou de coxas.

Para os indivíduos que tiveram alteração corporal significativa, o acompanhamento psiquiátrico é importante e de grande ajuda.

Há diferentes técnicas de reconstrução cirúrgica (fechamento primário, enxerto, retalhos cutâneos ou musculares) e a escolha depende da extensão e profundidade da lesão. Além disso, a terapia hiperbárica pode auxiliar no desenvolvimento de tecidos e controle microbiano.

Reconstrução cirúrgica. Fonte:  Síndrome de Fournier, reconstrução Revista Brasileira de Cirurgia Plástica link: ttp://www.rbcp.org.br/details/1642/pt-BR/sindrome-de-fournier--reconstrucao-de-bolsa-testicular-com-retalho-fasciocutaneo-de-regiao-interna-de-coxa
Reconstrução cirúrgica. Fonte: Síndrome de Fournier, reconstrução Revista Brasileira de Cirurgia Plástica

Conclusão

A gangrena de fournier é uma infecção perineal polimicrobiana que necessita de rápida intervenção cirúrgica para impedir uma evolução sistêmica (sepse). É uma doença rara que é mais frequente em homens entre 30 e 60 anos, mas não deixa de acometer outros grupos. No seu manejo, é necessário desbridamento dos tecidos necróticos e antibioticoterapia de amplo espectro.

Leia mais:

FONTE:

  • Medscape gangrena de fournier https://emedicine.medscape.com/article/2028899-overview
  • Balbinot P, Ascenço ASK, Nasser IJG, Berri DT, Maluf Junior I, Lopes MC, et al. Síndrome de Fournier: Reconstrução de bolsa testicular com retalho fasciocutâneo de região interna de coxa. Rev. Bras. Cir. Plást.2015;30(2):329-334