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Publicado em
9/12/22

Anestesia Peridural: diferenças da anestesia raquimedular, indicações e complicações

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Anestesia Peridural: diferenças da anestesia raquimedular, indicações e complicações

A anestesia peridural, também conhecida como anestesia epidural, é amplamente difundida no meio médico. É um procedimento seguro e que, entretanto, apresenta possíveis riscos e complicações. Por isso, o sucesso da anestesia não está apenas relacionado com a habilidade do anestesiologista em depositar corretamente a solução anestésica.

Assim, o médico anestesiologista deve ter amplo conhecimento sobre a farmacologia dos anestésicos aplicados, bem como da anatomia, fisiologia dos medicamentos e as possíveis complicações do procedimento. Por isso, não perca mais um post do EMR para contribuir com a sua formação!

O que é a Anestesia Peridural?

A anestesia peridural é um tipo de anestesia regional, que objetiva realizar anestesia cirúrgica e pós-operatória. Baseia-se na interrupção temporária da condução nervosa, com bloqueio das funções autonômicas, sensitivas e motoras de forma localizada. Para mais, diferentemente da anestesia geral, há preservação da consciência. Observe no esquema abaixo os tipos de anestesia existentes.

Esquema com os tipos de anestesia existentes. Como é possível observar, a raquianestesia e o bloqueio de plexos nervosos também compreendem as anestesias regionais. Fonte: Traumatologia e Ortopedia; Link da fonte: https://traumatologiaeortopedia.com.br/informe/conheca-os-tipos-de-anestesia/
Esquema com os tipos de anestesia existentes. Como é possível observar, a raquianestesia e o bloqueio de plexos nervosos também compreendem as anestesias regionais. Fonte: Traumatologia e Ortopedia

Anatomia do neuroeixo

O corpo humano apresenta 33 vértebras, sendo 7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares e 5 sacrais. Entre as funções da vértebra, está a proteção da medula espinhal. Observe a imagem abaixo. 

Ilustração das vértebras. Fonte: Aula de Anatomia; link da fonte: https://www.auladeanatomia.com/sistemas/292/coluna-vertebral

A medula é protegida por três meninges, referidas respectivamente, da mais externa em relação às vértebras para as mais internas, em relação à medula: dura-máter, aracnóide e pia-máter. O espaço subaracnóide corresponde ao espaço entre a pia-máter, meninge sobreposta à medula espinhal, e a aracnóide, onde se encontra o líquido cefalorraquidiano (LCR), e onde a anestesia raquimedular é aplicada.

Representação das meninges. Fonte: MSD Manuals; link da fonte: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/biologia-do-sistema-nervoso/medula-espinhal
Representação das meninges. Fonte: MSD Manuals 

Já o espaço peridural, onde a injeção do anestésico será realizada na anestesia peridural, encontra-se entre a dura-máter e o ligamento amarelo, observável na figura acima. O espaço peridural se estende desde o forame magno (base do crânio) até S1-S2, e contém raízes nervosas, tecido conjuntivo e plexo venoso vertebral interno. 

Representação dos espaços subaracnóideo e peridural. Fonte: Changing the way you learn; link da fonte: https://www.goconqr.com/mapamental/21203380/cefaleia-pos-raquianestesia

A medula espinhal se estende desde o encéfalo até o cone medular, na altura das vértebras L1-L2. Posteriormente à medula, estão os processos espinhosos da vértebra. Esses processos são ligados entre si por ligamentos, denominados ligamentos interespinhais, por onde a agulha das anestesias regionais podem ser inseridas. 

Ilustração dos ligamentos das vértebras. Fonte: Anatomia e Fisioterapia; link da fonte: https://anatomiaefisioterapia.com/2020/03/20/minuto-anatomico-9-ligamentos-da-coluna-vertebral/
Ilustração dos ligamentos das vértebras. Fonte: Anatomia e Fisioterapia

Ao observar a imagem acima, é possível perceber que os planos anatômicos que a agulha irá ultrapassar durante a anestesia epidural são: pele 🡪 subcutâneo 🡪 ligamento supraespinhal 🡪 ligamento interespinhoso 🡪 ligamento amarelo 🡪 espaço epidural. Já na raquianestesia, a agulha segue até chegar ao LCR. Assim, ao ultrapassar o espaço epidural, atinge: dura-máter 🡪 espaço subaracnóide.

Técnica da operação

Devido a anestesia epidural ser aplicada no espaço epidural, pode ser realizada a nível lombar ou torácico. Diferentemente da anestesia raquimedular que, por ser aplicada no espaço subaracnóide, apresenta riscos de lesão à medula espinhal caso seja aplicada em níveis acima de L1-L2. Por isso, comumente, essa anestesia é aplicada em níveis L4-L5, a fim de prevenir lesão da medula.

As principais posições que o paciente deve adotar para as anestesias regionais são a sentada ou em decúbito lateral, devendo-se fletir e estabilizar a coluna na área em que se realizará a punção. Essas posições promovem aumento da distância no espaço intervertebral, facilitando o acesso com a agulha.

Além disso, a agulha de escolha na anestesia epidural é mais grossa, sendo a mais utilizada o tipo Tuohy, de tamanhos 16G e 18G. Para realizar sua inserção, pode-se utilizar a manobra de Dogliotti. Essa consiste na inserção da agulha no espaço entre os processos espinhosos das vértebras, até que o médico sinta uma resistência. A presença dessa resistência indica que a agulha atingiu o nível do ligamento amarelo. Assim, para atingir o espaço epidural, essa resistência precisa ser vencida.

É possível determinar o nível em que a anestesia está sendo aplicada através de alguns marcos anatômicos. Entre eles, a linha imaginária entre as espinhas ilíacas ântero superiores (linha de Tuffier), referência para os espaços entre L4 e L5. Além disso, a linha imaginária entre os processos inferiores da escápula correspondem ao nível T7. Por fim, a vértebra cervical com o processo espinhoso mais proeminente corresponde à C7.

Representação da linha de Tuffier e sua correlação com os processos espinhosos. Observe também a posição em que o paciente se encontra, flertindo-se anteriormente, para facilitar a inserção da agulha. Fonte: DocPlayer; link da fonte: https://docplayer.com.br/54117031-Anestesia-subaracnoide-introducao.html/
Representação da linha de Tuffier e sua correlação com os processos espinhosos. Observe também a posição em que o paciente se encontra, flertindo-se anteriormente, para facilitar a inserção da agulha. Fonte: DocPlayer 

Alterações fisiológicas do anestésico

Os anestésicos atuam nos canais de sódio voltagem-dependente dos neurônios, realizando o denominado bloqueio fásico. Dessa forma, impedem a passagem do impulso nervoso, aumentando o limiar e reduzindo a rapidez da condução. 

Representação dos anestésicos locais sobre os canais de sódio
Representação dos anestésicos locais sobre os canais de sódio

Ao aplicar a anestesia, haverá predominantemente o bloqueio simpático em relação ao bloqueio parassimpático. Isso porque a inervação simpática ocorre através de neurônios surgidos diretamente da medula espinhal, entre T1-L2. Já o sistema parassimpático não será tão afetado, visto que a maioria da inervação parassimpática das vísceras torácicas e abdominais se dá através do nervo vago, um par craniano. 

Como consequência disso, a anestesia epidural apresenta efeitos cardiovasculares: há vasodilatação e redução da resistência vascular periférica, reduzindo assim a volemia circulante. Dessa forma, há redução do débito cardíaco e, por isso, a hipotensão é um sintoma esperado nas anestesias regionais.

Resumidamente, a anestesia regional promove efeitos sobre o sistema nervoso central, através da inibição da sensibilidade, bloqueio simpático e relaxamento muscular abaixo do nível do bloqueio.

Quando a peridural é indicada?

A anestesia peridural é indicada em cirurgias abdominais e torácicas com grande potencial álgico. Exemplo disso são as cirurgias de mama e pulmão. Isso porque a anestesia raquimedular não pode ser aplicada nesses casos, devido ao potencial de lesão da medula.

Além disso, a anestesia peridural também é indicada na analgesia do parto, uma vez que realiza o bloqueio sensitivo sem realizar o bloqueio motor. Dessa forma, a paciente não sentirá dor durante o trabalho do parto, mas as contrações uterinas serão mantidas. Já na cirurgia cesárea, a anestesia mais indicada é a raquimedular, uma vez que promove maior relaxamento muscular que a peridural.

Vantagens

A anestesia epidural apresenta diversas vantagens. Como mencionado anteriormente, pode ser utilizada para cirurgias de andar superior, diferentemente da raquianestesia. Além disso, a anestesia epidural possibilita a passagem de um cateter, justificando a necessidade de realizar o procedimento com uma agulha mais grossa.

A passagem do cateter torna possível injetar novamente o anestésico local, caso seja necessário. Assim, o paciente pode ficar vários dias anestesiado, sendo muito útil em cirurgias com grande potencial álgico. Por fim, a anestesia peridural possibilita realizar a anestesia sem o bloqueio motor, sendo esse processo mais difícil na raquianestesia.

Desvantagens

Apesar de ser um procedimento seguro, as anestesias regionais apresentam algumas contraindicações. Entre elas, são contraindicações absolutas a recusa do paciente em realizar o procedimento, bem como a alergia aos componentes injetados. E mais, variações anatômicas no local da punção, incluindo feridas, lesões e tatuagens.

Já as contraindicações relativas das cirurgias regionais constituem infecções no sítio de punção e a sepse, devido ao maior risco de formação de abcessos. E ainda, a hipovolemia, devido ao risco do bloqueio simpático e agravamento do quadro clínico. E, mais, a hipertensão intracraniana, devido à descompressão súbita do LCR e ao risco de herniação cerebral após punção liquórica. 

Por fim, são também contra indicações relativas às coagulopatias e o uso de anticoagulantes ou agregantes. Nesses casos, a fim de realizar o procedimento de forma segura, faz-se necessário suspender as medicações.

Possíveis complicações

É fundamental que todo médico reconheça as possíveis complicações das anestesias regionais, sendo a principal a cefaléia pós-punção liquórica. Essa, apesar de menos comum na anestesia peridural, pode ocorrer também durante esse procedimento, caso haja punção subaracnóidea inadvertida ou não identificada.

Essa cefaleia é caracterizada por ser fronto-occipital, com início em até 3 dias. O paciente relata piora na posição ortostática e melhora no decúbito, devido à hipotensão liquórica. O tratamento intervencionista consiste na inserção do tampão sanguíneo (blood patch), inserindo-se 15 a 20 mL de sangue no espaço peridural próximo à punção. O blood patch evita a perda do LCR e causa efeito de massa, elevando a pressão liquórica. Assim, causa rápido alívio da cefaléia.

Explicações sobre o mecanismo e tratamento da cefaleia pós-liquórica. Fonte: Sociedade Brasileira de Anestesiologia, 2018
Explicações sobre o mecanismo e tratamento da cefaleia pós-liquórica. Fonte: Sociedade Brasileira de Anestesiologia, 2018

Outras possíveis complicações das anestesias regionais são a paraplegia, formação de hematomas epidurais e o bloqueio nervoso prolongado. E mais, disfunções urinárias - devido ao bloqueio simpático - síndrome da cauda equina, e meningites e infecções. Essas últimas são complicações raras e, quando ocorrem, o agente mais comum na anestesia peridural é o Staphylococcus aureus e, na raquianestesia, o Streptococcus viridans.

Conclusão

É imprescindível diferenciar a anestesia peridural da anestesia raquimedular. Além disso, reconhecer os principais efeitos fisiológicos dos anestésicos utilizados, bem como reconhecer os principais efeitos fisiológicos dos anestésicos empregados, e possíveis complicações do procedimento, são cruciais para todos os médicos!

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FONTE:

  • Anestesiologia, Dor e Medicina Paliativa: um enfoque para a graduação / Editores: Mauro Pereira de Azevedo, Sérgio Luiz do Logar Mattos, Rogean Rodrigues Nunes. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2018.