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Publicado em
28/1/21

Doença meningocócica no público pediátrico: do diagnóstico ao tratamento

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Doença meningocócica no público pediátrico: do diagnóstico ao tratamento

A maior epidemia de meningite que o Brasil já enfrentou foi em 1971, durante o regime militar. Muitas pessoas morreram sem receber o diagnóstico definitivo da doença. Essa não podia ser noticiada porque, nessa época, o país estava no auge do “milagre econômico”, e o governo negava qualquer problema sanitário no país. Hoje em dia, a doença meningocócica é endêmica no Brasil, e sua incidência vem diminuindo muito ao longo dos anos (1/100 000 casos entre 2014 e 2016). Apesar da maioria dos surtos e epidemias ocorrerem entre adolescentes e jovens adultos, 30% dos casos notificados ocorrem em crianças menores de 5 anos, e os maiores coeficientes de incidência são encontrados em lactentes no seu primeiro ano de vida. Por isso, fique atento para mais um post sobre uma doença que é considerada uma urgência pediátrica: a doença meningocócica.

O que é o meningococo?

A Neisseria meningitidis, mais conhecida como Meningococo, é um diplococo gram-negativo aeróbio e imóvel, que coloniza a nasofaringe do homem. Possui vários sorotipos, entre eles o A, B, C, W, X e Y, que são os mais invasivos e, por isso, os principais responsáveis por causar pandemias. A N. meningitidis, ao fazer permutação, tem a capacidade de mudar seu sorotipo, o que representa um alerta para a saúde pública, uma vez que as vacinas disponíveis são sorotipo específicas.

Transmissão

O Meningococo é transmitido através do contato direto com secreções respiratórias, e os portadores assintomáticos da bactéria podem contribuir para a disseminação da doença. Esses vão desenvolver os anticorpos para combater a bactéria e, eventualmente, se tornarão imunes. O período de transmissibilidade da doença vai durar até o desaparecimento do meningococo da nasofaringe, normalmente 24 horas após o início da antibioticoterapia. O período de incubação é normalmente entre 3-4 dias, mas pode variar entre 2-10 dias.

Os principais fatores de risco para desenvolvimento da doença são infecções respiratórias prévias (em especial a Influenza!), aglomeração nos domicílios, residência em quartéis e acampamentos, alojamento de estudantes, tabagismo passivo ou ativo e piores condições socioeconômicas.

Manifestações clínicas

A doença meningocócica pode se manifestar com sintomas inespecíficos, mas são comuns os sinais e sintomas de febre, calafrios, mal estar, mialgia, dor em membros e rash maculopapular, que pode se apresentar como petéquias ou púrpuras (mais de 50% dos pacientes com doença meningocócica apresentam petéquias, normalmente no tronco e membros inferiores). Aproximadamente 90% dos pacientes vão apresentar pelo menos dois desses sintomas: febre, rigidez de nuca, alteração do estado mental e rash cutâneo, e 30% vão apresentar a tríade: febre, rigidez de nuca e alteração do estado mental. As formas clínicas mais comuns da doença meningocócica são a meningite (presente em aproximadamente 70% dos casos) e a meningococcemia, uma infecção generalizada que pode (não necessariamente!) ser acompanhada de meningite.

Diagnóstico

Se o paciente apresentar suspeita de meningite, é preciso fazer a pesquisa dos sinais de Kernig e Bruszinki, que vão indicar a presença de irritação meníngea. Entretanto, é importante enfatizar que a ausência desses sinais não exclui a possibilidade de uma meningococcemia. A pesquisa de irritação meníngea em lactentes é bastante difícil; por isso, analisa-se a fontanela bregmática. Quando há abaulamento (aumento da tensão da fontanela), associado a febre, irritabilidade, inapetência e vômitos, então suspeita-se de meningite. Já em neonatos, a pesquisa de meningite é ainda mais difícil: febre nem sempre está presente, e a suspeita de meningite se dá quando o paciente apresenta hipotermia, recusa alimentar, cianose, convulsões, apatia e irritabilidade, respiração irregular e icterícia.

O médico deve fazer a flexão da coxa de uma perna do paciente. Ao tentar fazer a extensão passiva da perna, o paciente vai relatar dor e vai haver limitação para realizar o movimento, devido a rigidez da nuca.
Para realizar esse exame, o médico fletir a cabeça do paciente e, se houver inflamação nas meninges, o paciente vai reagir involuntariamente flexionando os membros inferiores.
O médico deve fazer a flexão da coxa de uma perna do paciente. Ao tentar fazer a extensão passiva da perna, o paciente vai relatar dor e vai haver limitação para realizar o movimento, devido a rigidez da nuca.

Na apresentação fulminante da doença, o aparecimento da púrpura associado ao choque vai caracterizar a purpura fulminans: um quadro grave, de aparecimento súbito, que vai provocar necrose hemorrágica das glândulas suprarrenais. O paciente pode apresentar febre, cefaleia, mialgia e vômitos, seguidos de palidez, sudorese, hipotonia muscular, taquicardia, pulso fino e rápido, queda da pressão arterial, oligúria e má perfusão periférica.

A meningocóccemia possui uma taxa de letalidade acima de 40%, e aproximadamente 20% das crianças com meningite meningocócica vão apresentar convulsões. Outras possíveis complicações da doença meningocócica são a hidrocefalia, paralisia dos nervos cranianos, efusão subdural, aumento da pressão intracraniana, vômitos, perda auditiva (em 12,5% dos casos), amputação de membros, sequelas neurológicas e cicatrizes cutâneas.

A análise laboratorial pode ser dada de várias formas. A cultura vai ser feita através da coleta de sangue, da punção lombar para coleta do LCR ou pelo raspado das lesões cutâneas. Esse exame é considerado o padrão ouro para diagnóstico de doença meningocócica porque possui alto grau de especificidade e, quando a bactéria é identificada, também serão avaliados o sorogrupo e sorotipo. A bacterioscopia direta, o PCR e a aglutinação pelo látex são opções de exame para avaliar a meningite.

Outro exame que pode ser feito é quimiocitológico do LCR, que vai indicar a intensidade do processo infeccioso. Serão avaliados a contagem de células brancas, a dosagem da glicose e das proteínas. Entretanto, não deve ser usado para dar diagnóstico, porque é um exame de baixo grau de especificidade. Os achados que indicam uma meningite de etiologia bacteriana são a pleocitose (acima de 1000 células brancas) com predominância de neutrófilos, o aumento do número de proteínas no líquido cefalorraquidiano (entre 100-500 mg/dL) e a diminuição da concentração de glicose (há redução dos níveis de glicose de

Mesmo com a suspeita da meningite, alguns diagnósticos diferenciais precisam ser levantados, como as doenças exantemáticas (dengue, febre amarela, hantavirose) e doenças do trato respiratório superior (no caso da bacteremia sem sepse). Em caso de sepse, é preciso avaliar as causas por outras etiologias, em especial o Pneumococo e o H. influenzae tipo B, uma vez que a meningite meningocócica é indistinguível de uma meningite causada por essas duas bactérias. Além disso, a doença maculosa, doença de Weill, malária e endocardite bacteriana também são possíveis diagnósticos diferenciais a serem pensados e pesquisados.

Tratamento

O tratamento precisa ser iniciado o mais precocemente possível, de preferência após punção lombar e coleta de sangue para hemocultura, para não haver alteração dos resultados. Mas é preciso priorizar o tratamento empírico do que fazer a coleta desses exames, portanto, caso haja algum atraso para realizar a coleta, é preciso iniciar o tratamento. Em crianças, são usadas a penicilina G cristalina, na dose de 200.000-400.000 UI/Kg/dia, a cada 4 horas; ou a ampicilina, na dose 200-300mg/Kg/dia a cada 6 horas; ou a ceftriaxona 100mg/Kg/dia, a cada 12 horas. Independentemente da escolha do tratamento, os medicamentos precisam ser administrados por 5-7 dias, pela via EV.

FONTES: