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24/1/23

Esclerodermia: definição, sintomas e manejo

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Esclerodermia: definição, sintomas e manejo

A Esclerodermia é uma doença com potencial de causar prejuízo nos mais diversos órgãos, predominando em mulheres entre 30 e 40 anos de idade. São inegáveis os impactos na qualidade de vida do paciente afetado e, dessa forma, a rapidez na identificação dessa condição de quadro clínico tão amplo e diverso é imprescindível.

O que é Esclerodermia?

A Esclerodermia, também chamada de Escleroderma Sistêmico, é uma condição crônica do tecido conjuntivo que ainda não possui causa determinada e é capaz de afetar a pele, os tecidos subcutâneos e órgãos internos. Os mais frequentes deles são os pulmões, o coração, o sistema gastrointestinal e os rins.

Qual é a Causa?

Infelizmente, a etiologia exata da esclerodermia é desconhecida. Apesar disso, supõe-se atualmente que ela se trata de uma condição com patogênese influenciada por fatores genéticos, ambientais e infecciosos.

Os marcos da patogênese do Escleroderma Sistêmico são os 3 listados seguir:

  • Fibrose: acontece principalmente em pulmões, coração, trato gastrointestinal e glândulas exócrinas.
  • Inflamação: ocorre no sistema musculoesquelético e nas complicações cardíacas.
  • Vasculopatia: se manifesta em complicações do Escleroderma Renal, Hipertensão Arterial Pulmonar, ulceração digital e doenças macrovasculares.

Para a ocorrência dos achados citados anteriormente, existem 3 mecanismos fisiopatológicos que ocorrem simultaneamente:

  • Superprodução de componentes da matriz extracelular: isso acontecerá por regulação anormal da gênese de fibroblasto estimulada por citocinas inflamatórias. Além disso, proteínas são depositadas no tecido conjuntivo de maneira desordenada, causando o cerne da doença em questão - a fibrose.
  • Disfunção microvascular: o dano inflamatório às células endoteliais dos vasos acarreta a obliteração de capilares e arteríolas.
  • Disfunção na imunidade humoral e celular: alteração das Células-B (produtoras de autoanticorpos) e das Células-T (infiltração celular e desregulação na produção de citocinas e fator de crescimento).

Como classificar a Esclerodermia?

A Esclerodermia é classificada em 5 tipos que veremos a seguir:

Esclerose Sistêmica Cutânea Limitada (lcSSc)

Nessa condição, a fibrose cutânea irá acontecer nas extremidades dos membros, como nas mãos, antebraços, pés e pernas, ocasionalmente se estendendo para a face e para o pescoço. Essa esclerose dérmica é frequentemente acompanhada de edema, sensibilidade e Fenômeno de Raynaud. Quando atinge as mãos e pés, pode gerar a Esclerodactilia, que se trata da fibrose cutânea das articulações metacarpofalangeanas e metatarsofalangeanas.

Esse tipo de Esclerose possui uma variante chamada de Síndrome de CREST. Ela é caracterizada pela calcinosis cutis (calcificação da pele), Fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasias.

Outras manifestações ocorrem de maneira mais sistêmica, como a Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) e Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) severo. Normalmente a Esclerodermia lcSSc tem um melhor prognóstico do que o tipo difuso que mencionaremos a seguir, porém algumas variantes possuem uma pior evolução. Essas variantes são associadas à Hipertensão Pulmonar Isolada, fibrose pulmonar e nefropatias.

Esclerose Sistêmica Cutânea Difusa (DCSSC)

Nesse tipo de doença, a porções da pele acometidas pela fibrose serão tanto as distais já citadas como as  proximais, com o exemplo da parte superior do braço, coxas e tronco. Nas manifestações sistêmicas, teremos a Doença Pulmonar Intersticial, doença esclerodérmica renal e fricção tendinosa. Tende a uma progressão rápida e com forte afecção renal (principalmente nos primeiros 3 anos).

Esclerose Sistêmica Sem Esclerodermia 

Formada por acometimento em órgãos internos sem o espessamento fibrótico da pele. Os pacientes que possuem esse tipo de Esclerodermia são frequentemente diagnosticados por condições de órgãos específicos, como a Fibrose Pulmonar Idiopática, Hipertensão Pulmonar e doenças de dismotilidade primárias do intestino.

Esclerose Sistêmica com Overlap de Doenças do Tecido Conjuntivo 

Determinamos essa condição quando a Esclerose Sistêmica vem acompanhada de doenças como a Artrite Reumatóide ou o Lúpus Eritematoso Sistêmico (que ocorre em até 20% dos pacientes com Esclerose Sistêmica). É um paciente cujo diagnóstico e manejo devem ser cuidadosos e contemplarem as duas condições simultaneamente.

Esclerodermia Não Diferenciada

Ocorre quando o paciente apresenta diversas alterações clínicas e sorológicas que se assemelham à Esclerodermia, porém não se encaixam nos critérios diagnósticos da American College of Rheumatology.

Diagnóstico da Esclerodermia

O diagnóstico do paciente com Esclerodermia é feito principalmente com os achados clínicos, tanto pela anamnese quanto pelo exame físico. O paciente com esse quadro irá iniciar sua consulta com a queixa principal de alterações na pele, frequentemente na associação de Fenômeno de Raynaud com ulceração e espessamento da pele. Essa última pode acontecer junto à parestesia, anestesia, descoloração e desconforto do mesmo local.

Fenômeno de Raynaud. Fonte: Shutterstock
Fenômeno de Raynaud. Fonte: Shutterstock
Espessamento de pele, ulceração e constrição de pele articular na Esclerodermia. Fonte: Blog Artrite Reumatoide
Espessamento de pele, ulceração e constrição de pele articular na Esclerodermia. Fonte: Blog Artrite Reumatoide

Além das queixas cutâneas, outras possíveis queixas são: desconforto musculoesquelético (mialgia, artralgia e edema), sintomas gastrointestinais (diarreia, constipação, disfagia, DRGE, êmeses, tosse e halitose secundárias ao refluxo, pirose e perda ponderal), sintomas cardiorrespiratórios (dispneia aos esforços, angina e palpitação) e outros achados menos específicos, como síncope, prurido e problemas associados ao sono.

Durante o exame físico, deve-se atentar para todos os sistemas que costumam ser acometidos pela Esclerodermia. Iniciando pela análise dermatológica, buscar por: espessamento de pele (mãos, pés, braços, pernas, face e tronco), esclerodactilia, despigmentação difusa (chamada de padrão de sal e pimenta), contratura e ulceração de pele em articulações acrais, perda de pelos em pele afetada, calcinosis cutis e telangiectasias.

A alteração da espessura da pele pode ser graduada de acordo com o Escore de Pele de Rodnan modificado, que avalia 17 áreas da pele e usa uma escala de 0 a 3 em gravidade. Veja abaixo:

Áreas da pele - face, tórax, abdômen, braços, antebraços, dorso das mãos, dedos, coxas, pernas e pés.
Grau 0 sem alterações
Grau 1 espessamento leve da pele
Grau 2 espessamento moderado da pele, incapacidade de realizar prega
Grau 3 espessamento severo da pele, incapacidade de mobilização
Escore Modificado de Pele de Rodnan. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Seguindo o exame físico, avalia-se a ausculta cardiopulmonar em busca de anormalidades características da Esclerose Sistêmica. Em casos de Hipertensão Arterial Pulmonar, ausculta-se a B3 anormal e ruídos adventícios pulmonares pela congestão dos pulmões. Pode também ser visto arritmias, bloqueios de condução, derrames pericárdicos, pericardite e insuficiência cardíaca com edema de membros inferiores.

Para fechar hipótese diagnóstica, utiliza-se os critérios diagnósticos da American College of Rheumatology e European League Against Rheumatism (ACR/EULAR) para Esclerose Sistêmica. A definição acontece quando há o critério maior e/ou ≥2 critérios menores, totalizando 9 ou mais pontos. O critério maior é o espessamento de pele nos dedos das duas mãos se estendendo para as articulações metacarpofalangianas. Os critérios menores incluem outras alterações de quirodáctilos, lesões de unhas e digitais, telangiectasias, HAP, fenômeno de Raynaud, presença de autoanticorpos associados à condição e anormalidade dos capilares periungueais.

Critérios Maiores
Espessamento de pele nos dedos das duas mãos se estendendo para as articulações metacarpofalangianas (9 pontos)
Critérios Menores
Lesões em unhas e digitais (2 pontos) Telangiectasias (2 pontos)
Hipertensão Arterial Pulmonar (2 pontos) Fenômeno de Raynaud (3 pontos)
Autoanticorpos da condição (3 pontos) Alterações nos capilares periungueais (2 pontos)
Dedos edemaciados (2 pontos) Esclerodactilite distal às articulações metacarpofalangianas (4 pontos)
Critérios de ACR/EULAR para a Esclerodermia. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos
Telangiectasias. Fonte: Shutterstock
Telangiectasias. Fonte: Shutterstock

Vale ressaltar que nos exames laboratoriais pode-se encontrar alguns anticorpos intimamente associados à Esclerodermia. São eles: Anticentrômero, Antitopoisomerase-I (anti-SCL-70) e Anti-RNA Polimerase I e III. Outros anticorpos menos específicos porém também presentes são os Anticorpos Antinucleares e Anticorpos Antimitocondriais (AMA). 

Como funciona o tratamento?

O tratamento do Escleroderma Sistêmico vai depender das apresentações de cada paciente, visto que é uma condição que varia em órgãos afetados. Abaixo destrinchamos o manejo de cada possível achado:

  • Fenômeno de Raynaud: indica-se primeiramente mudanças no estilo de vida, como o uso de luvas para aquecer as mãos. De medicamento, utilizamos bloqueadores de canal de cálcio (BCC) como primeira linha, visto que diminui a frequência e a gravidade de infartos isquêmicos em pacientes com Fenômeno de Raynaud Secundário. Caso o paciente não responda bem aos BCC ou possua um quadro muito severo, é necessário sua substituição por Inibidores da Fosfodiesterase-5.
  • Úlceras digitais: para úlceras ativas, utiliza Inibidores da Fosfodiesterase-5 e Prostanóides IV. Além disso, considerar um tratamento de suporte com Agentes Antiagregantes, antibióticos e analgésicos para aqueles ferimentos infectados.
  • Manifestações cutâneas gerais: em pacientes com Esclerose Sistêmica Difusa em estágios iniciais, inicia a terapia com Metotrexato. Ademais, o Micofenolato de Mofetila tende a reduzir e retardar o espessamento cutâneo.
  • Doença Intersticial Pulmonar por Esclerose Sistêmica: considerar terapia imunossupressora enquanto investiga agentes que possam estar causando pneumonia. Também administrar corticosteróides de alta dose (como a Prednisona >10-15 mg/dia).
  • Hipertensão Arterial Pulmonar: administrar Antagonista dos Receptores da Endotelina (Bosentan ou Ambrisentan), Inibidores da Fosfodiesterase-5 ou Prostaciclina IV.
  • Manifestações Gastrointestinais: considerar Inibidores de Bomba de Próton (IBP) para prevenção de constrições e úlceras esofágicas secundárias a DRGE. Caso o distúrbio do TGI esteja relacionado à dismotilidade, prescrever medicamentos procinéticos.

Fatores de risco e complicações

Por estarem dentro de uma patogênese ainda obscura, os fatores de risco do Escleroderma Sistêmico não são completamente compreendidos. Mesmo assim, supõe-se possíveis fatores indutores e agravantes da condição, como a exposição a substâncias químicas e fatores genéticos (especialmente polimorfismo do gene TYK2).

Dentre as complicações que ascendem da Esclerodermia, as mais comuns são as associadas à pele, como as ulcerações cutâneas e contratura de pele das articulações distais. No sistema respiratório, é relativamente comum o surgimento de doença pulmonar intersticial, doença parenquimatosa, hipertensão arterial pulmonar e doenças aspirativas associadas ao DRGE concomitante.

Ademais, no trato gastrointestinal as complicações mais comuns são: gastroparesia, DRGE, disfagia, esôfago de Barrett, tosse crônica pelo refluxo gastroesofágico, sangramento intestinal, anemia, diarreia e constipação. Por fim, as possíveis complicações cardiovasculares podem ser vistas por pericardite, derrame pericárdico, inflamação miocárdica, fibrose, anormalidades de condução e progressão para insuficiência cardíaca.

Conclusão

A Esclerodermia, que também pode ser chamada de Esclerose Sistêmica, é uma doença do tecido conjuntivo que afeta primariamente a pele, mas também afeta os pulmões, coração, rins e outros órgãos. Ela pode ser dividida em 5 tipos: Esclerose Sistêmica Cutânea Limitada, Esclerose Sistêmica Cutânea Difusa, Esclerose Sistêmica Sem Esclerodermia, Esclerose Sistêmica com Overlap de Doenças do Tecido Conjuntivo e Esclerodermia Não Diferenciada. 

O diagnóstico deve ser realizado com a junção da anamnese com exame físico, buscando encaixá-los nos critérios diagnósticos da American College of Rheumatology com a European League Against Rheumatism (ACR/EULAR), além de fazer certas buscas sorológicas por autoanticorpos sugestivos. E então, após isso, deve-se iniciar o estabelecimento da conduta terapêutica que respalda cada manifestação individualmente.

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