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Publicado em
26/9/24

Doença de Von Willebrand: o que é, sintomas e tratamentos

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Doença de Von Willebrand: o que é, sintomas e tratamentos

A doença de Von Willebrand (DvW) é uma coagulopatia hereditária que afeta a função do fator de von Willebrand (FvWB), uma proteína essencial no processo de hemostasia. É a doença hemorrágica hereditária mais comum, com uma prevalência estimada de 1% na população mundial. Embora muitas vezes subdiagnosticada, a DvW pode variar de casos assintomáticos a formas graves que comprometem a qualidade de vida do paciente. 

Para o médico, compreender os aspectos clínicos e laboratoriais da DvW é crucial para um diagnóstico preciso e para a gestão terapêutica adequada. A partir da leitura desse texto, você será capaz de compreender tais aspectos.

O que é a doença de Von Willebrand?

A doença de Von Willebrand é uma desordem genética que se caracteriza pela deficiência quantitativa ou qualitativa do fator de von Willebrand. O FvWB é uma glicoproteína plasmática multifuncional que desempenha um papel vital na adesão plaquetária e na proteção do fator VIII da coagulação contra a degradação proteolítica. A DvW pode ser herdada de forma autossômica dominante ou recessiva e é classificada em três tipos principais:

  1. Tipo 1: Forma mais comum, caracterizada por uma redução quantitativa parcial do FVWB, estando reduzido em até 50%.
  2. Tipo 2: Caracteriza-se por uma disfunção qualitativa do FvWB, com subtipos (2A, 2B, 2M, 2N) que variam de acordo com a alteração funcional específica.
  3. Tipo 3: Forma mais grave, onde há uma ausência quase completa de FvWB, levando a uma redução significativa dos níveis de fator VIII.

Fisiopatologia

O FvWB é sintetizado por células endoteliais e megacariócitos, sendo armazenado em corpos de Weibel-Palade e grânulos alfa das plaquetas. Durante a hemostasia primária, o FvWB é liberado na circulação, onde se liga ao colágeno subendotelial nas áreas de lesão vascular e media a adesão das plaquetas ao endotélio danificado, formando o tampão hemostático inicial.

Nos casos de DvW, a deficiência ou disfunção do FvWB prejudica a adesão plaquetária, resultando em hemorragias mucocutâneas e, nos casos mais graves, hemorragias articulares e musculares semelhantes às observadas na hemofilia. Além disso, a falta de FvWB funcional leva a uma meia-vida reduzida do fator VIII, contribuindo para um risco adicional de sangramento.

Processo fisiológico: FvWB ligando-se às plaquetas. Fonte: Atlas em Hematologia
Processo fisiológico: FvWB ligando-se às plaquetas. Fonte: Atlas em Hematologia

Veja também:

Sintomas da doença de Von Willebrand

Hemartrose. Fonte: Hematologia.mx 
Hemartrose. Fonte: Hematologia.mx 

Os sintomas da Doença de Von Willebrand são altamente variáveis e dependem do tipo e gravidade da doença. Os sinais clínicos mais comuns: 

  • Hemorragias mucocutâneas: como epistaxis frequentes e prolongadas, menorragia, sangramentos gengivais e equimoses fáceis;
  • Hemorragias gastrointestinais: mais comuns em pacientes com tipos 2 e 3 da doença;
  • Hemorragias articulares e musculares: observadas principalmente no tipo 3, mimetizando a hemofilia. 
Epistaxe. Fonte: Otorrino Bh 
Epistaxe. Fonte: Otorrino Bh 

Também há presença de  sangramentos excessivos após procedimentos cirúrgicos ou dentários, que frequentemente levam ao diagnóstico e hematomas espontâneos, geralmente volumosos e localizados em áreas de trauma mínimo. A suspeita da DvW é levantada quando o paciente apresenta um quadro de manifestações hemorrágicas associadas a uma história familiar positiva.

Como realizar o diagnóstico?

O diagnóstico da Doença de Von Willebrand envolve uma combinação de avaliação clínica detalhada e testes laboratoriais específicos. Inicialmente, é fundamental realizar uma anamnese cuidadosa, focando no histórico de sangramentos pessoais e familiares, especialmente em relação a menorragia, epistaxes e sangramentos cirúrgicos. 

Nos exames laboratoriais iniciais, observa-se frequentemente um tempo de sangramento prolongado e/ou tempo de coagulação alterado, enquanto a contagem de plaquetas e o tempo de protrombina (TP) geralmente permanecem normais. O tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) pode ser prolongado em casos de deficiência significativa de fator VIII. 

Para confirmação, são realizados testes específicos, como a dosagem do fator de von Willebrand, onde níveis reduzidos indicam a presença da doença, e a avaliação da atividade do fator de von Willebrand (Ristocetina co fator), que mede a capacidade do vWF em promover a agregação plaquetária. Além disso, a dosagem do fator VIII é particularmente útil nos tipos 2 e 3

Por fim, a tipagem da Doença de Von Willebrand, com estudos adicionais como a eletroforese de multímeros de vWF, é necessária para diferenciar os subtipos da doença.

Tratamento para a doença de Von Willebrand

O tratamento da Doença de Von Willebrand é individualizado, dependendo do tipo de doença e da gravidade dos sintomas. As opções terapêuticas incluem a desmopressina (DDAVP), que é utilizada principalmente no tipo 1 e em alguns casos do tipo 2, estimulando a liberação de vWF e fator VIII das reservas endoteliais, sendo eficaz na maioria dos casos leves e moderados. 

Para pacientes que não respondem à desmopressina ou nos casos de Doença de Von Willebrand tipo 3, são indicados concentrados de fator de von Willebrand, que contêm tanto FvWB quanto fator VIII, essenciais para aqueles com deficiência grave. A terapia antifibrinolítica, com ácido tranexâmico e ácido aminocaproico, é útil no controle de sangramentos mucocutâneos. Ademais, pacientes com Doença de Von Willebrand que necessitam de cirurgia devem ser cuidadosamente manejados com terapia profilática para prevenir complicações hemorrágicas.

Conclusão

A doença de Von Willebrand, apesar de sua alta prevalência, pode passar despercebida, especialmente nas formas leves. O papel do médico é crucial no reconhecimento precoce e no manejo adequado da doença para prevenir complicações hemorrágicas. O conhecimento detalhado da fisiopatologia, variabilidade clínica, diagnóstico e opções terapêuticas permite uma abordagem eficiente e individualizada, garantindo uma melhor qualidade de vida para os pacientes afetados.
Leia mais:

FONTES:

  • Manual do Residente de Clínica Médica . 3. ed. Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2023
  • Harrison's Principles of Internal Medicine. 21. ed. [S. l.: s. n.], 2022